Capítulo 6 Gestos sem sinceridade
Samuel ficou sem palavras.
As palavras de Casimir foram um golpe duro porque eram verdadeiras.
Quatro anos atrás, ele tomou uma decisão difícil para proteger os interesses da família e evitar que Raylee os envolvesse em problemas.
Ele declarou publicamente para a família Lorimer que ela não tinha mais nenhum vínculo com os Goodridge, deixando-a sem proteção.
Será que ela teria conseguido se manter segura sem aquele escudo?
A consciência de que ele tinha causado sofrimento a ela o atingiu como um soco no estômago, tirando-lhe o fôlego.
Casimir deu um tapa em seu ombro e disse: “É um milagre a Raylee ter voltado viva. Para de tomar partido e pensa em como vai compensar isso!”
Depois de falar, soltou um suspiro pesado.
Ele também era um dos culpados. Também queria se redimir com Raylee.
Seus olhos escureceram quando murmurou em um tom derrotado: “Ela passou o dia inteiro me chamando de 'Sr. Sutherland'.”
Os olhos escuros de Samuel demonstraram um traço de dor quando ele disse: “Ela também me chamou de 'Sr. Goodridge' o tempo todo.”
Ambos suspiraram profundamente.
Quando seus olhares se cruzaram de novo, virou quase um duelo, nenhum deles conseguia sustentar o olhar do outro.
Samuel advertiu com firmeza: “Como vou me redimir é problema meu. Fique longe da Raylee! Se você ousar machucar a Waverly, espere só para ver o que vou fazer com você. E não ache que o fato de ser o herdeiro dos Sutherland me intimida!”
Casimir soltou uma risada de desprezo, virou-se e foi embora, ignorando completamente o homem ao seu lado.
Samuel estava prestes a explodir de frustração.
Ele cresceu com Casimir e conhecia muito bem o temperamento dele.
Quando tomava uma decisão sobre algo ou alguém, dificilmente voltava atrás.
Interferir não era uma opção, então Samuel só podia manter Raylee sob vigilância e garantir que ela não se tornasse a “outra” em nenhuma história.
Ao saírem do hotel, Samuel alcançou Casimir e bloqueou seu caminho. Seu tom estava visivelmente mais calmo quando disse: “Você tinha um amigo de infância chamado Percival Shapiro, certo? Um professor de medicina internacionalmente renomado.”
Casimir franziu a testa. “Tenho, por quê?”
“Poderia entrar em contato com ele pra mim? Quero que ele cuide dos ferimentos da Ray.”
Casimir balançou a cabeça. “Acho difícil. Faz anos que não nos falamos. Além disso, ele está fora do país e provavelmente ocupado demais pra me atender. Mas conheço outros especialistas. Quer que eu te apresente?”
“Deixa pra lá, vou procurar outro médico.”
Um sorriso cheio de segundas intenções apareceu no canto da boca de Casimir enquanto observava Samuel se afastar. Ele entrou no carro e fez uma ligação.
“Seu desgraç*do te liguei faz uma hora. Por que não atendeu? Onde você está agora?” perguntou Casimir, visivelmente irritado.
“Estou em Jexburgh, acabei de sair de uma cirurgia! O que foi? O que era tão urgente?”
Ignorando o tom cansado do amigo, Casimir ordenou: “Preciso que você vá agora pro quarto 8302 do Hotel Seagull e examine uma garota doente.”
Percival perguntou: “Essa garota é alguma figura importante?”
“Minha ex-noiva. Ela teve problemas sérios há alguns anos e acabou de ser libertada. Está cheia de ferimentos. Você pode dar uma olhada nela?”
Houve um silêncio prolongado do outro lado da linha.
Percival ficou sem palavras. “Casimir, tem noção de que sou um professor médico extremamente requisitado, né? Você não faz ideia do número de figurões que fazem fila pra conseguir uma consulta comigo.”
Ele não conseguia acreditar que estava sendo chamado para uma consulta domiciliar com uma ex-presidiária.
“Você não quer ir? Beleza, então vou transferir sua próxima rodada de financiamento do laboratório em Pudrana mais tarde. Tchau!”
Encurralado, Percival mudou de tom imediatamente: “Não, não, Casimir, claro que eu vou. Afinal, somos amigos desde a infância. Ajudar um amigo em necessidade é um dever, não importa a situação.”
E assim, ele, que mal tinha saído da sala de cirurgia, não perdeu tempo. Partiu imediatamente para o hotel onde a jovem estava hospedada.
Raylee estava descansando quando uma jovem bateu à porta, apresentando-se como cuidadora. “Olá, posso confirmar se a senhora é Raylee Goodridge? Sou Sharon Carter, a cuidadora pessoal que o Sr. Goodridge contratou pra cuidar da senhora.”
“Sr. Goodridge? Samuel?” Raylee franziu a testa.
A cuidadora assentiu e entrou no quarto sem esperar permissão.
Raylee só conseguia sentir o quão irônico e absurdo aquilo era.
O que será que ele pensa que sou? Depois de me magoar profundamente, agora quer se redimir?
Será que ele acha mesmo que um pequeno gesto de bondade vai apagar a dor que senti durante quatro anos de prisão?
Não preciso de gestos sem sinceridade!
A única pessoa da família Goodridge por quem ainda sinto algo é a vovó!
Dado o rancor profundo que carregava pela família Goodridge, era natural que sua raiva se estendesse a tudo que vinha deles, incluindo a cuidadora que haviam contratado.
Raylee estava prestes a mandá-la embora, já apontando para a porta, quando um homem de jaleco branco apareceu.
Ele se apresentou: “Olá, Sra. Goodridge. Sou amigo do Casimir. Meu nome é Percival Shapiro. Também sou dermatologista, e ele me pediu que viesse verificar sua saúde.”
Raylee ficou em silêncio.
Que interessante!
Um me mandou uma cuidadora, o outro mandou um médico.
Estão competindo pra ver quem consegue me agradar mais.
Será que estão mesmo tentando compensar o mal que causaram? Ou será que só estão tentando preencher o vazio egoísta dentro deles?
Sinto muito, mas eu nunca vou aceitar essa bondade. Prefiro morrer!
A cuidadora olhou para Percival e logo o reconheceu. “Você é o renomado professor de medicina, Percival Shapiro? Meu Deus, não acredito que um médico desse nível faz visitas domiciliares!”
Sem jeito, Percival assentiu. “Sou eu.”
Ele pensou que Raylee fosse se sentir honrada e grata, mas o que ouviu fez com que questionasse sua própria existência.
“Fora daqui”, ela disse. “Mesmo que estivesse à beira da morte, não deixaria você me tratar.”
O tom de Raylee era indiferente, e seus olhos carregavam uma dose espessa de desprezo, como se ninguém ali tivesse importância.
Percival ficou pasmo.
Antes que conseguisse reagir, Raylee já o tinha empurrado, junto com a cuidadora, para fora do quarto. Com voz fria, ela disse: “Os dois, fora. Vão dizer pro Samuel e pro Casimir ficarem bem longe de mim! Nunca mais me procurem!”
A porta do quarto se fechou com força.
A cuidadora e Percival ficaram parados, sem entender nada.
Para Percival, um professor médico de elite, ter ido pessoalmente atender uma ex-presidiária e ser tratado com tamanha hostilidade foi um golpe duro.
Ele imediatamente ligou para Casimir para reclamar.
A cuidadora, por sua vez, informou Samuel sobre o ocorrido.
Dentro do quarto, entre os itens trazidos pela cuidadora, estavam um celular, um cartão bancário e uma pequena quantia em dinheiro.
Raylee pegou apenas o celular.
Vera ainda estava no hospital. Ela precisava de um celular para manter contato com frequência.
Ao saber que a idosa ainda estava inconsciente após a cirurgia, toda a família Goodridge foi embora, deixando apenas uma cuidadora no local.
Raylee correu imediatamente para o hospital.
Após quatro anos separadas, Vera ainda conservava a mesma doçura no olhar, mas estava visivelmente mais velha.
Com oitenta anos, seus cabelos estavam salpicados de branco e o rosto coberto de rugas.
Quando Raylee era pequena, Alaric e Harriet estavam sempre ocupados, e Samuel vivia enterrado nos estudos. Pode-se dizer que Vera praticamente a criou sozinha.
Ela nutria um carinho profundo por Vera.
Durante o tempo na prisão, não houve um só dia em que não pensasse nela. Temia não sobreviver tempo suficiente para vê-la de novo.
Depois de três horas ao lado da cama, Raylee deixou o hospital apenas depois de instruir a cuidadora várias vezes para cuidar bem de Vera.
Agora que estava fora da prisão, ela não queria mais nenhum laço com a família Goodridge, exceto com Vera.
Ela não usaria o dinheiro da família Goodridge.
Pretendia devolver o celular assim que tivesse dinheiro suficiente.
Naquele momento, precisava encontrar um trabalho para se sustentar.
Mas ela não tinha habilidades, e sendo uma ex-presidiária recém-libertada, simplesmente não conseguia arrumar um emprego decente.
Procurou por toda parte.
Todos a viam com a perna mancando, com o rosto abatido e amarelado como quem esteve doente por muito tempo, e a rejeitavam na hora.