Capítulo 2 Você ainda é minha filha
Sem dizer uma palavra, Raylee ainda assim entrou no banco do passageiro.
Samuel não conseguiu conter a frustração.
“Você é inacreditável!”
Eles seguiram em silêncio por meia hora.
Quando o carro chegou ao hospital, Raylee saiu com cuidado.
Sua perna doía, e ela quase caiu ao sair do carro. De repente, uma figura correu até ela e a segurou.
Era Harriet, a mãe que um dia mais a amou.
Usando um vestido no estilo Chanel de alta costura e maquiagem meticulosamente aplicada, Waverly a seguia de perto.
Comparada à aparência frágil de quatro anos atrás, Waverly agora havia florescido em um retrato de saúde e beleza, com lábios vermelhos e dentes brancos.
“Ray, que saudade de você”, disse Harriet, com a voz carregada de emoção.
Raylee a afastou suavemente e fez uma leve reverência.
“Olá, senhora Goodridge.”
Harriet ficou sem reação.
“Ray, você...”
Raylee permaneceu em silêncio.
Cinco dias após ser presa, há quatro anos, Alaric escreveu uma declaração de deserdamento na presença da família Lorimer.
Eles chegaram a levá-la até a prisão só para que assinasse o documento.
Depois disso, ela mudou seu nome para Raylee Somers.
Talvez os outros não soubessem, mas Harriet com certeza tinha conhecimento do que havia acontecido.
Talvez movida pela culpa, ela começou a chorar de repente. Sua voz era gentil e cheia de carinho ao dizer: “Ray, isso tudo já passou. Vamos deixar o que aconteceu no passado. Você está tão pálida... Está doente?”
Raylee balançou a cabeça com indiferença.
Waverly disse docemente: “Mãe, a Raylee deve ter sofrido muito na prisão. Não fique assim, o importante é que ela está de volta com segurança.”
Harriet assentiu, aliviada.
“É, o que importa é que está tudo bem agora. O resto não tem mais relevância.”
Waverly tirou uma caixinha de doces da bolsa.
“Raylee, está com fome? Esses docinhos foram o Casimir quem me deu. Quer experimentar?”
Seus olhos eram límpidos, sempre transmitindo uma certa timidez e humildade ao olhar para sua irmã. Quem a visse sentia pena automaticamente.
Era como há quatro anos.
No entanto, ao mencionar o nome de Casimir Sutherland, havia um toque inegável de orgulho em sua voz.
Casimir era a dor cravada no coração de Raylee.
Ela lançou um olhar para Waverly, mas não disse nada nem aceitou os doces.
Diante da indiferença de Raylee, Samuel disparou: “Ela trouxe os docinhos com carinho. Por que você não quer comer? São os favoritos dela! Depois de passar anos na prisão, perdeu até a educação mais básica?”
Vendo o semblante irritado de Samuel, Harriet lançou um olhar firme para ele.
“Você não tem o direito de falar assim com sua irmã!”
Ela então segurou gentilmente o braço de Raylee, tentando confortá-la.
“Ray, não leva a sério o que seu irmão disse. Enquanto estiver aqui, ninguém vai te tratar mal.”
Seus olhos estavam vermelhos, cheios de culpa e dor verdadeira por Raylee.
Sem emoção, ela puxou o braço de volta e deu um passo para trás, mantendo distância de Harriet.
Essa cena só serviu para atiçar ainda mais a irritação de Samuel.
“Raylee, não exagere!”
“Samuel, dá pra parar com isso? Sua irmã acabou de sair da prisão. Por que você está perdendo a cabeça com ela?”, repreendeu Harriet.
“Mãe, você vive passando a mão na cabeça dela!” O tom de Samuel voltou a subir. Ele gritou: “Uma coisa é tratar a mim e à Waverly com frieza, mas por que fazer isso com a mamãe? Ela tem perdido o sono, deixado de comer, tudo por sua causa! A família Goodridge te tratou como uma princesa por dezoito anos, te deu tudo sem que você precisasse fazer esforço nenhum. A gente não te deve nada! Abaixa essa arrogância ou volta pra prisão!”
Raylee riu, mas só por dentro, um riso amargo.
Não importava o que ela fizesse, sempre era errada. Ela se sentia como um pedaço de lixo, chutado de um lado para o outro, como se não tivesse o direito de sentir nada, muito menos de expressar.
Ao ver que Raylee continuava calada, Harriet ficou um pouco contrariada.
Mesmo assim, repreendeu Samuel: “Sua irmã passou por um sofrimento enorme nesses quatro anos. A cabeça dela ainda não se recuperou. Para de falar assim com ela!”
Depois, disse suavemente para Raylee: “Sua avó ficou toda animada ao saber que você viria hoje. Vai até o hotel aqui do lado, toma um banho e se arruma um pouco antes de ir vê-la no hospital. Não se preocupa, você ainda é minha filha. Continuo te amando como antes.”
Sério? Será que um espelho quebrado pode voltar a ser inteiro?
Ao ouvir essas palavras carinhosas, Raylee não sentiu absolutamente nada.
Apenas assentiu, com o rosto inexpressivo, e se virou para ir embora.
Ao chegar no hotel ao lado do hospital, percebeu que estava sem um centavo e não tinha como pagar por um quarto.
Quando virou para sair, esbarrou inesperadamente em uma figura sólida.
Uma dor aguda pulsou em sua testa.
“Senhora Goodridge?” Uma voz fria, com um leve tom de indiferença, soou.
O coração de Raylee deu um salto ao ouvir aquela voz familiar.
Seu corpo, que já estava gelado, parecia ter sido rasgado por dentro, invadido por um vento ainda mais cortante.
Ao levantar os olhos, viu aquele rosto conhecido e bonito.
Era Casimir, o filho da família Sutherland, a terceira mais poderosa de Jexburgh e seu ex-noivo.
Raylee se curvou e o cumprimentou sem expressão: “Olá, senhor Sutherland.”
Observando sua roupa fina e as bochechas magras, como se ela estivesse muito doente, Casimir perguntou: “Senhora Goodridge, você foi solta hoje?”
“Sim...” Raylee assentiu levemente.
O silêncio se instalou por uns dez segundos.
Raylee não disse mais nada, o que deixou Casimir completamente desconcertado.
Ela costumava ser uma tagarela, vivia falando sem parar no ouvido dele.
Ele não gostava de mulheres que falavam demais. E, embora nunca tenha se afastado por causa disso, deixava claro o quanto se irritava.
Às vezes, quando ela o enchia demais, ele mandava que calasse a boca.
Quando percebia que ele estava chateado, Raylee começava a cantar para animá-lo.
Sua voz era melodiosa e agradável, e ela cantava lindamente.
Mas mesmo depois de terminar a música, ela continuava tagarelando.
Quatro anos se passaram desde a última vez que se viram, e agora ela respondeu com uma única palavra.
Os dois permaneceram em silêncio, criando um clima especialmente desconfortável.
De repente, o olhar de Casimir caiu sobre as pernas finas de Raylee.
Ele a tinha visto mancando minutos antes e deduziu que devia estar ferida.
Com um tom frio, ele disse: “Vou reservar um quarto pra você.”
Raylee balançou a cabeça, prestes a recusar.
O tom firme de Casimir a interrompeu: “Com a perna nesse estado e sem dinheiro para um quarto, será que você pode parar de fingir que está bem? Sua avó ainda está no hospital. Você não quer se ajeitar logo e ir vê-la?”
Raylee levantou os olhos para encará-lo.
Os olhos dele eram negros, e o rosto bonito exalava uma presença autoritária irresistível.
Ela não se importava com ele.
Mas ao pensar em Vera Fanning, seu coração entorpecido começou a doer.
Sem dúvida, Vera tinha mexido os pauzinhos nos bastidores para que ela fosse solta antes do tempo.
Depois de quatro anos afastadas, Raylee sentia uma saudade imensa. Queria vê-la o quanto antes.
“Então, agradeço a gentileza, senhor Sutherland”, respondeu.
Casimir pagou por um quarto e, com postura decidida, a acompanhou até lá.
Ela foi atrás dele.
A figura alta e imponente dele era impecável, e o leve cheiro de um perfume clássico invadiu suas narinas.
Raylee ficou levemente surpresa.
Fazia quatro anos que não se viam.
Casimir havia perdido o ar juvenil e agora exalava a aura de um homem maduro.
Não muito tempo atrás, enquanto ainda estava presa, ela o viu nos noticiários.
Considerado um prodígio desde jovem, ele já era CEO da divisão Ásia-Pacífico do Grupo Sutherland com pouca idade. Seu futuro era brilhante e promissor.
Esse homem, uma raridade de beleza e competência, havia levado Raylee à beira da obsessão. Mesmo agora, seu coração ainda disparava ao vê-lo.
Mas ele nunca a amou.
Nunca a amou de verdade.
Antes, ela acreditava que Casimir era frio com todo mundo, como uma pedra que não podia ser aquecida.
Mas tinha certeza de que, se o amasse o suficiente, um dia aqueceria aquele coração.
Então Waverly voltou.
E o olhar apaixonado de Casimir por ela não deixava dúvida nenhuma.
Raylee percebeu, enfim, que ele não era frio por natureza, ele só era frio com ela.
Bastava Waverly estar ali, parada, sem fazer nada, e ele já a favorecia.
Harriet também notou o sentimento mútuo entre Casimir e Waverly.
Poucos meses após o retorno de Waverly, Harriet sugeriu que Raylee entregasse o noivado a ela.
Era um compromisso arranjado na infância pelas famílias Sutherland e Goodridge, unindo seus herdeiros.
Raylee sentiu inveja e ciúme, e se recusou a romper o noivado.
Mesmo assim, Harriet foi inflexível. Não importava se Raylee estava disposta ou não, não havia espaço para discussão.
Quatro anos se passaram.
Recentemente, ainda na prisão, Raylee viu uma matéria que dizia que Casimir continuava solteiro e era considerado um dos melhores partidos.
Será que ele e Waverly ainda não se casaram?