Capítulo 3 Quatro anos de sofrimento
Raylee sentiu uma pontada de tristeza no peito, com os sentimentos virando um turbilhão de emoções confusas.
Se era ressentimento ou expectativa, já não fazia diferença.
Ao chegar à porta do quarto, Casimir tirou uma caixa de doces.
“Pedi algo pra você comer. Se estiver com fome, pode começar com isso.”
O olhar de Raylee recaiu sobre os doces.
Eram idênticos aos que Waverly havia levado no hospital mais cedo.
“Não gosto muito de doces. Deixe pra Waverly”, respondeu suavemente, com o olhar apagado.
Ela não precisava desses gestos vazios.
Jamais esqueceria o dia no banquete de aniversário da família Lorimer, quando foi falsamente acusada de roubar um colar.
Casimir havia se colocado na frente de Waverly, protegendo-a, com os olhos carregados de desprezo ao acusá-la.
Seu pai, sua mãe, seu irmão e o noivo que ela mais amava, todos apoiaram Waverly, empurrando Raylee para o abismo.
Talvez Samuel tivesse razão.
Ela viveu como herdeira rica no lugar de Waverly por dezoito anos. Do que mais poderia reclamar?
Talvez aqueles quatro anos de prisão fossem uma espécie de compensação.
Ainda assim, o sentimento de injustiça era esmagador.
Quando alguém quer condenar o outro, sempre encontra um motivo.
As pessoas que um dia foram pilares na vida de Raylee foram as mesmas que a empurraram para o inferno.
Casimir estava prestes a dizer algo, ainda com a caixa nas mãos, quando recebeu uma ligação e saiu às pressas.
No quarto do hotel, Raylee tomou um banho.
Ao olhar para as cicatrizes desordenadas pelo corpo, seus olhos arderam intensamente.
Aquelas marcas eram lembranças da humilhação que suportou durante os quatro anos de prisão.
Mesmo livre, era como se uma marca tivesse sido cravada nela, uma sombra que a seguiria pelo resto da vida.
Depois de secar os cabelos, ela parecia um pouco mais disposta.
Sem roupas novas, teve que vestir o velho suéter surrado. Em seguida, calçou luvas para esconder os frieiras e as bolhas nas mãos.
No prédio de internação, Raylee pediu informações à enfermeira e conseguiu encontrar o caminho até a sala de cirurgia.
Naquele momento, os membros da família Goodridge aguardavam ansiosos do lado de fora.
Vera, que estava deitada no quarto, teve um mal súbito e foi levada às pressas para uma cirurgia de emergência.
Raylee observou a luz vermelha da sala de cirurgia se acender. Seus longos cílios tremeram, e seu coração ficou sufocado por um sentimento esmagador.
Vera era a pessoa que mais a amava no mundo. Ela não sabia o que faria se algo acontecesse com ela.
Ao se aproximar, Waverly girou casualmente o pulso, exibindo a pulseira que usava.
“Raylee, a vovó te deu isso antes de entrar na cirurgia, mas eu gostei tanto... Será que você poderia...”
Raylee lançou um olhar à pulseira de esmeralda e permaneceu em silêncio.
Sua mente voltou para quatro anos atrás, quando Waverly tinha o hábito de tomar tudo o que era dela.
Tomou seu quarto, roupas, bolsas, sapatos e até seu gato de estimação, que não sobreviveu às brincadeiras cruéis de Waverly.
Na época, Raylee ficava furiosa.
Agora, não se importava mais.
Tudo naquela casa cada folha, árvore, tijolo e telha pertencia a Waverly, a filha legítima.
E ela era apenas uma filha de mentira, uma estranha que viveu por dezoito anos os privilégios de alguém que nunca foi.
Waverly assumiu um ar desapontado.
“Se não quiser me dar, então devolvo.”
Diante daquela cena, Samuel interveio, repreendendo: “Chega, Raylee. É só uma pulseira. Não pode dar pra Waverly? Se quiser, compro mais umas dez pra você!”
Raylee se sentou em silêncio na cadeira.
Ela não disse nada, não fez nada, e ainda assim, simplesmente existir parecia ser um erro.
Talvez ela fosse o erro em si.
“Samuel, gostei tanto dessa pulseira... Por que a vovó não deu pra mim? Será que ela não gosta de mim?”
As lágrimas se acumularam nos cílios de Waverly, que olhou para Samuel com expressão de vítima.
Como se tivesse perdido a razão, Samuel agarrou Raylee e a repreendeu furioso: “Como você pode ser tão mesquinha por causa de uma pulseira? E ainda fica com essa cara emburrada? Acha que só porque a vovó te protege não posso fazer nada com você?”
“Eu...”
Antes que Raylee pudesse responder, Samuel já a puxava em direção à sala de cirurgia.
“A vovó está ali dentro, entre a vida e a morte, e você tá aqui, brigando com a Waverly por uma pulseira! Não pode colaborar um pouco? Quer que ela morra por sua causa?”
A perna de Raylee, já machucada, latejou de dor com a força bruta de Samuel, fazendo-a perder o fôlego.
Sem conseguir manter o equilíbrio, ela caiu com tudo no chão.
Harriet, que voltava do banheiro, viu a cena.
Correu para ajudar Raylee e ao mesmo tempo ralhou com Samuel: “Por que está brigando com a sua irmã de novo?”
Samuel rangeu os dentes, frustrado.
“Mãe, ela fez a Waverly chorar! A vovó está na sala de cirurgia, e ela vem causar confusão! Se a vovó sair e ver isso, vai se abalar tanto que vai acabar voltando pra mesa de cirurgia!”
Harriet olhou para Waverly, que chorava com os olhos vermelhos.
Depois de ouvir a história, não conteve a crítica: “Ray, não me leva a mal, mas você não devia discutir com sua irmã. A saúde da sua avó está bem frágil nos últimos anos. Qualquer abalo pode ser perigoso. Por que não deixa a pulseira com a Wavy?”
Sem qualquer expressão no rosto, Raylee respondeu: “Nunca disse que não queria dar.”
Harriet franziu o cenho. “Então por que seu irmão ficou tão nervoso? E por que a Wavy está chorando? Olha, não importa quem está certo ou errado. É só uma pulseira. Depois eu compro outra pra você.”
Raylee assentiu.
Ficou em silêncio, ciente de que qualquer coisa que dissesse seria interpretada como erro.
Samuel havia acabado de puxá-la com tanta força que ela caiu feio. A dor na perna era insuportável.
Saindo da prisão de forma repentina, sem ter comido nada, estava exausta, com o corpo no limite.
Frágil, com o rosto pálido e amarelado, parecia alguém à beira da morte.
Tudo escureceu diante dos seus olhos, uma tontura avassaladora a dominou, e ela desabou no chão.
Samuel zombou: “Então agora você parou de disputar pulseira e resolveu bancar a coitada? Levanta daí! Está fingindo que morreu, é? Se a vovó ver você assim e se assustar, vai ser culpa sua!”
Raylee virou a cabeça e apagou completamente.
Não se sabe quanto tempo passou até que ela despertasse numa cama de hospital.
O som do choro de Harriet era nítido no ar.
Ao olhar para si, Raylee percebeu que usava um avental hospitalar.
Eles tinham visto as cicatrizes em seu corpo.
Harriet se aproximou e segurou sua mão com delicadeza, chorando: “Ray, por que suas mãos estão cheias de frieiras e bolhas? E por que tem tantas cicatrizes no seu corpo? O médico falou que você tem marcas de pancadas, chicotadas, até queimaduras de cigarro...”
Samuel também se aproximou e colocou a mão no ombro da mãe, dizendo com um tom pesado: “Mãe, tenta não se abalar.”
Ele não conseguia imaginar tudo o que Raylee tinha passado.
Foi tomado por um remorso tão grande que nem conseguia olhar para ela.
Não tinha nem coragem de pedir desculpas.
Harriet enxugou as lágrimas e disse: “Achei que você tinha passado quatro anos numa prisão comum, fazendo trabalho forçado. Nunca imaginei que teria que passar por tanta crueldade. Quem teve coragem de te fazer isso?”
Waverly estava ali, com os olhos bem vermelhos ao lado da cama.
“Irmã, meu coração está despedaçado. Sua dor é a minha dor. O que foi que fizeram com você?”
Raylee olhou para Waverly, que falava com sarcasmo.
“Sua dor é a minha dor?” Que atriz maravilhosa.
Um ódio silencioso cresceu dentro dela. Calmamente, ela começou: “Quer saber o que aconteceu comigo? Eu te conto. Não passou um único dia na prisão sem que eu fosse agredida. Claro, né? Afinal, fui acusada de roubar o colar da filha mais velha da família Lorimer. Mexi com gente poderosa. Frieiras, bolhas, puxões de cabelo, socos, chutes, queimaduras de cigarro, água fervente, tapas isso tudo foi fichinha. Enfiaram um palito no meu ouvido esquerdo, perfurando meu tímpano. Quase fiquei surda. Usaram barras de ferro com pregos, encheram minhas pernas de furos, todos sangrando. Passei por tudo solitária, câmara de tortura, choque elétrico.”
Os olhos de Waverly se arregalaram, e ela olhou para Raylee com um ar de vítima.
As lágrimas caíam como pérolas de um colar arrebentado, chorando de forma quase descontrolada.
Tão frágil que mal conseguia se manter de pé, Waverly caiu nos braços de Samuel.
“Por que você está chorando? Quem passou quatro anos na cadeia não foi você”, Raylee disse, observando todos no quarto, cada um afogado na própria dor, alguns até chorando.
Ela só conseguia sentir o quanto aquilo era irônico.