Capítulo 4 Escudo da moralidade
“Me desculpa, irmã. A culpa é toda minha...” Waverly chorava como uma criança, como se fosse ela quem tivesse sofrido a maior das injustiças.
Inicialmente, Samuel ainda sentia certa afeição por Raylee, mas ao ver o sofrimento estampado no rosto de Waverly, o carinho que restava evaporou por completo.
Naquele momento, ele parecia um leão protegendo seu filhote, pronto para atacar, defendendo Waverly com unhas e dentes.
“Por que você está culpando ela? O seu machucado nem foi culpa da Waverly. Você tá sendo completamente irracional!”
“Ela não tá sendo irracional!”
De repente, uma voz firme e grave ecoou da porta do quarto.
Casimir estava parado na entrada.
Ele havia escutado tudo que acontecera ali dentro, inclusive tudo que Raylee suportou durante os quatro anos de prisão.
“Casimir? O que você tá fazendo aqui?”, Samuel perguntou, surpreso.
“Foi ele quem pagou pela minha hospedagem no hotel”, disse Raylee, com um tom despretensioso.
“Vocês dois...” A voz de Samuel tremia de frustração. “Casimir, você está noivo da Waverly agora. Não acha inapropriada essa proximidade com outra mulher?”
“Você não está invertendo as prioridades?” Ele franziu a testa, claramente incomodado. “A senhora Goodridge acabou de sair da prisão. Alguém aí se preocupou em saber se ela está com fome ou se já comeu alguma coisa? E ela tá visivelmente abatida. Será que passou pela cabeça de alguém fazer um exame médico nela?”
Samuel ficou em silêncio, refletindo profundamente, até soltar um suspiro pesado. “Fui descuidado...”
Raylee soltou uma risada amarga.
Seu olhar para Casimir não carregava nem gratidão nem rancor.
O mais irônico era que, depois de sair da prisão, não foi sua chamada “família” que demonstrou preocupação.
Foi ele, o homem que ela mais amou, e que também a havia traído profundamente.
Harriet enxugou as lágrimas com um lenço, seu rosto tomado pela culpa. “Filho, peça comida para sua irmã, agora.”
Percebendo seu erro, Samuel assentiu rapidamente e puxou o celular, escolhendo uma refeição nutritiva.
Talvez pelo peso na consciência, ele optou por um restaurante de alto padrão, com o preço mais caro do cardápio.
“Já fiz o pedido”, disse ele, em voz baixa. “Paguei a taxa de entrega rápida, deve chegar em meia hora.”
“Obrigada, senhor Goodridge”, disse Raylee, em tom frio.
Samuel ficou paralisado por um instante.
Desde que ela havia saído da prisão naquele dia, não o havia chamado pelo nome uma única vez.
O distanciamento dela era tão evidente que até um estranho soaria mais íntimo.
Uma onda de raiva subiu em seu peito.
Ele se aproximou de Raylee de forma brusca, com um brilho cortante no olhar, e questionou: “Tem certeza de que essas marcas no seu corpo são mesmo da prisão? Masmorra, tortura elétrica? Você foi presa, não mandada pra um campo de guerra! Em um país civilizado, com leis, me recuso a acreditar que alguém teria coragem de fazer isso com você!”
“Senhor Goodridge, o que exatamente o senhor tá insinuando?” O rosto de Raylee se contorceu de dor. “Está dizendo que eu mesma me machuquei? Sabia que eu passei os primeiros três anos na Penitenciária do Distrito Nove? Só no último ano é que fui transferida de volta pra Prisão Feminina de Jexburgh.”
O nome “Penitenciária do Distrito Nove” pairou no ar como uma sentença de morte, mergulhando o quarto em um silêncio fúnebre.
A prisão ficava em uma ilha cercada pelo mar. Era um lugar sombrio e assustador, reservado para os criminosos mais perigosos e cruéis.
A disciplina lá era extrema.
Os detentos não tinham liberdade. A comida era escassa. Qualquer deslize era punido com castigos brutais.
Era conhecida como uma das prisões mais temidas do mundo.
Só de ouvir o nome, já se podia imaginar o inferno que era.
E Raylee tinha passado três anos lá dentro.
“Parece que vocês conhecem bem essa prisão. Querem que eu descreva em detalhes como foi a minha estadia? Aposto que vão lembrar disso pelo resto da vida”, disse ela, com a voz vazia, o olhar perdido, como se falasse de outra pessoa. “No meu primeiro dia lá, enfiam um espeto de ferro no meu dedo. Eu gritava como uma louca. Quando tiraram, o sangue jorrou. A dor foi tão insuportável que eu desmaiei. Me acordaram jogando água na minha cara. Depois, cravaram mais ferros nos meus dedos. No dia seguinte, me chicotearam com correias mergulhadas em água com pimenta. Meu corpo inteiro virou uma massa ensanguentada. No décimo dia, me jogaram numa masmorra inundada. A água era imunda, cheia de sanguessugas, ratos e criaturas nojentas. Eles me mordiam inteira. A dor era tão absurda que eu nem conseguia gritar.”
“Chega! Já deu!” Samuel não aguentou ouvir mais e a interrompeu.
Waverly tremia de medo, com as mãos tapando os ouvidos.
Raylee ergueu a cabeça de repente e lançou um olhar sombrio e gelado a todos.
“O quê? Nem ouvir vocês conseguem? E como acham que sobrevivi vivendo isso?”
“Por que você não contou que foi mandada pra Penitenciária do Distrito Nove? A gente não fazia ideia!”
“Vocês perguntaram?” Raylee soltou uma risada sarcástica. “Acham mesmo que eu tinha como entrar em contato com o mundo de fora? Uma única vez pedi ao guarda pra usar o telefone. Sabem o que aconteceu? Me penduraram e me espancaram a noite inteira.”
O rosto de Samuel empalideceu, chocado.
Raylee continuou: “Talvez o destino ainda não tivesse me escolhido para morrer, então voltei viva de lá. Mas mesmo depois de transferida pra prisão em Jexburgh, não fui poupada. A líder da cela me torturava todos os dias. Depois de tudo isso, senhor Goodridge, não está aliviado? Afinal, quem foi presa fui eu, e não sua querida irmã Waverly.”
Samuel cerrou os punhos, com seus olhos vazios, como se refletissem o fim do mundo.
As rugas em seu rosto revelavam preocupação, e sua consciência, enfim, parecia despertada.
Ele abriu a boca, tentando dizer algo, mas qualquer palavra agora pareceria injustificável. Preferiu ficar em silêncio.
“Ray, meu Deus... você sofreu tanto...” Harriet falou com a voz embargada, tentando conter o choro.
Cada palavra dita por Raylee atravessava a mulher como uma faca, mergulhando-a em desespero.
“Senhora Goodridge, eu mereci todo esse sofrimento. Afinal, não passei dezoito anos recebendo favores da família Goodridge?”, disse Raylee, com uma tranquilidade surpreendente.
E quanto mais ela mantinha essa postura fria, distante, como uma estranha, mais aquilo machucava os outros.
Harriet desabou em lágrimas. “Me perdoa... Eu vou compensar tudo isso pra você.”
“Se alguém merece compensação, senhora Goodridge, esse alguém é a Waverly. Afinal, ela é sua filha biológica que passou dezoito anos longe da senhora.”
Sem conseguir se conter, Samuel gritou: “Não está vendo que a mamãe tá arrependida? Precisa falar nesse tom sarcástico?”
Ele realmente sentia por tudo que Raylee passou, mas sua raiva também era real.
Seu semblante ficou sério. “O que passou, passou. Você está livre agora. Por que não pode seguir em frente com a gente? Precisa mesmo criar confusão pra que todo mundo fique infeliz? Está agindo como se a gente não valesse nada pra você.”
Seguir em frente?
Essas quatro palavrinhas são suficientes pra apagar os quatro anos que vivi no inferno?
Eles nunca sentiram minha dor, mas não hesitam em me julgar.
Eles erraram, mas ainda assim têm a cara de pau de falar do alto da moralidade.
Raylee sentia vontade de gritar com eles, mas quando as palavras chegaram à boca, ela preferiu o silêncio.
Casimir levou um tempo para conter a emoção.
Ouvir Raylee descrever os horrores da prisão... mesmo que ele não fosse seu ex-noivo, mesmo se fosse apenas um desconhecido, aquilo ainda o deixaria arrasado.
Ele não conseguiu se calar. “Samuel, em momento algum vi a Raylee fazer cena. Ela só contou a verdade! E você, como irmão, em vez de confortar, ainda brigou com ela. Isso é inadmissível.”