Capítulo 3 Petal
— O que há para pensar?
— Tudo.
— Não seja medrosa.
Olho para o homem que se tornou o mais próximo que tenho, fora o meu
irmão, de um amigo.
Nesses poucos meses em que nos conhecemos, aos poucos fui relaxando
ao conversar com Lleyton Acker. Depois daquele primeiro encontro que me deixou com uma péssima impressão, ele foi extremamente respeitoso — para os padrões dele, claro.
Acho que flerta tão fácil quanto respira.
— Não nasci rica, senhor Acker. Festas chiques não fazem parte do meu mundo.
— Papai ficaria decepcionado se não fosse.
— Besteira. Seu pai ficaria decepcionado se eu não fosse ao baile de gala, porque caí na besteira de dizer a ele que nunca frequentei um lugar que precisasse usar vestido longo. Mas ele não daria a mínima se eu faltasse à sua festa privada no escuro que acontecerá depois. Isso me parece meio sinistro.
— No baile de máscaras só haverá pessoas enfadonhas. Se quer diversão, sou a pessoa certa para lhe mostrar o mundo.
— Não sei se quero diversão.
— Petal, o velho lhe presenteou com um vestido de grife. Você vai parecer uma princesa. Não quer uma noite de Cinderela completa?
— Desde que fique claro que você não será meu príncipe.
— Posso saber por que não? — sua pergunta me surpreende, já que ele nunca mais tentou cruzar a linha — É só por meu pai ser seu empregador?
Penso com cuidado no que responder, porque não quero ferir seus sentimentos, se é que ele tem algum.
Gosto de Lleyton e ele tem se mostrado atencioso quando se despe daquela camada de mulherengo.
— Nós sempre seremos ótimos amigos. Nada além.
Não desvio dos seus olhos quando digo aquilo porque não gosto de deixar nada nas entrelinhas.
— Poderíamos ser mais do que isso.
Ele dá um passo para perto e eu imploro mentalmente para que não tente
nada, porque isso vai destruir nossa amizade. Como se lesse meus pensamentos, para.
— Não pode saber se não experimentar.
— Já falamos sobre essa questão. Ainda que nós dois fôssemos compatíveis, e não somos, eu tenho responsabilidades para me preocupar e zero tempo para romance. E certamente, não para o tipo de romance que você tem em mente.
— E que tipo seria isso?
— Sexo.
Eu gostaria muito de me perder em uma noite de sexo suado, mas não
com você. Não dificulte as coisas, por favor.
Eu tive somente um namorado na vida e não foi nada memorável, mas nem posso culpá-lo. Ambos com recém-completados dezoito anos, o que esperar?
Depois de adulta, das vezes em que tentei sair com alguém, porque não sou de ferro e preciso de uma pausa mesmo com todos os problemas financeiros, só tive decepção. Esses encontros nunca foram além de um jantar.
A lista do “contra” que meu irmão fez só cresce, então oficialmente eu sequer beijo um rapaz há mais de um ano.
— Não vou negar, mas com você é diferente...
Reviro os olhos.
— Pare ou vou desistir da festa — falo, meio brincando, meio sério porque não tenho dúvidas de que meia hora depois que o tal baile de máscaras começar, seguido da festa na escuridão, Lleyton já terá uma companhia. — Existe uma explicação para seu desejo de sair comigo.
— É mesmo? Do que se trata?
— Todo homem quer o que não pode ter.
Ele ri, o que era justamente minha intenção.
— Espertinha. Tudo bem, você teve sua chance. Quando estiver velha e
toda enrugada, vai olhar para trás e se arrepender de ter deixado escapar esse belo espécime.
— Nossa, será? — falo, fingindo que estou pensando. — Mas quer saber? Vou correr o risco.
— Quer que eu te pegue em casa?
— Não, obrigada. Uma Cinderela que se preze chega sozinha na carruagem. Eu vou de táxi, mas agradeço pela oferta.
Ele sorri, mas o sorriso não alcança os olhos. Eu me sinto mal. Lleyton só estava sendo ele mesmo e não me ofendeu em nenhum momento.
— Hey.
Já estava se afastando, mas para e olha para trás.
— Obrigada por me convidar para sua festa privada. Tenho certeza de que
vou me divertir muito.
— Sempre às ordens, princesa.
Volto para minha mesa pensando se, depois dessa conversa, não deveria
recusar o convite para a festa após o baile. Mas o problema é que estou muito curiosa.
Eu provavelmente nunca mais terei outra oportunidade como essa. Não são as pessoas que estarão lá o que me faz desejar ir. Não dou a mínima para celebridades. Sangram como todos nós, mesmo que alguns pensem que o deles é azul. O que me faz querer participar do evento mesmo é o luxo.
Lleyton brincou, mas talvez seja a única noite que terei em minha vida inteira em que posso fingir que sou uma princesa sofisticada e não uma secretária júnior com mais contas para pagar do que existem dias no mês.
— Sonhando acordada, Petal?
Tomo um susto quando vejo meu patrão, doutor Augustus Acker, parado na porta da sala.
— Eu sinto muito. Estava falando comigo? Às vezes me distraio.
Ainda fico um pouco embaraçada na frente dele, apesar de parecer fazer de tudo para me deixar à vontade. Foi assim desde a primeira vez em que nos encontramos. Simpático e nem um pouco arrogante.
— Estava pensando na festa para qual o seu filho me convidou depois do baile.
Ele cruza os braços e sacode a cabeça de um lado para o outro, como se desaprovasse o evento. Aliás, ele parece desaprovar um monte de coisas em seu único filho.
— A Noite Escura. — diz.
Depois de meses trabalhando na nova função, ele sabe que eu e Lleyton somos próximos. No começo pareceu preocupado, mas quando lhe garanti que não havia nada além de amizade entre nós dois, relaxou.
— O nome parece meio redundante — brinco e ele sorri.
— Não quer ir?
— Tenho medo de me sentir desconfortável mas, ao mesmo tempo, estou
curiosa.
— Se ficar com vergonha, a escuridão será uma aliada. Você e meu filho
se tornaram amigos de verdade, não é?
— Se eu responder que sim, serei despedida?
— Não.
— Sim, acho que podemos dizer que somos amigos.
Ele concorda com a cabeça.
Não é estranho que seu único herdeiro tenha se aproximado de uma
funcionária e que isso não o aborreça?
Eu o encaro em dúvida sobre como perguntar o que quero saber. Não é a
primeira vez que quase toco nesse assunto e acabo recuando.
— Posso lhe perguntar uma coisa?
Ele me olha com cautela e sua postura muda, o que é bem esquisito. Doutor Augustus sempre foi muito simpático comigo.
— Não prometo responder.
— Tudo bem. Eu não quero ser desrespeitosa. Estou muito feliz por ter ganhado esse novo posto de trabalho, mas por que eu?
Comecei como auxiliar interno, o que basicamente é um serviço de escravidão com um nome mais bonitinho. Acho que até a cafeteira tinha mais prestígio do que eu. Absolutamente todo mundo mandava em mim.
Um dia fui enviada para servir café em uma reunião da diretoria, porque a copeira que trabalhava diretamente com o CEO havia faltado.
Sabe lá Deus porquê, ele simpatizou comigo e pediu que eu ficasse como faz-tudo, mas para ele exclusivamente.
Não muito tempo depois, pagou um curso, que só aceitei porque é um benefício que a empresa concede aos funcionários e agora sou uma secretária júnior. Não que isso seja algum privilégio, porque há mais quatro como eu só para servi-lo, mas o salário é muito melhor.
Alguns funcionários ficaram com raiva de mim porque acharam que eu me aproveitei da improvável amizade com o CEO para galgar na carreira.
Entretanto, por mais que eu me sinta incomodada com os olhares deles, não poderia me dar ao luxo de recusar a promoção. Cada um que pense o que
quiser, no fim de tudo, estou sozinha para cuidar da minha família. Um prato de comida quente na mesa, o aluguel pago e meu irmão vestido e calçado decentemente é mais importante do que dar ouvido à maledicência alheia.
Além disso, o seguro-saúde nessa nova função me permite incluir Phoenix. Infelizmente, minha tia não, mas ela ainda tem dinheiro que guardou para sua aposentadoria, o qual eu administro com o maior cuidado, e aos trancos e barrancos, vamos conseguindo sobreviver.
— Eu gosto de lutadores e você é uma — ele finalmente diz.
— Perdoe-me se o que vou falar vai soar rude. Sou direta em meus argumentos. Sobre isso de eu ser uma lutadora, boa parte das moças que trabalham aqui são.
— Nunca conversei com qualquer uma delas, mas com você, sim. É tão difícil aceitar ajuda?
— Com todo o respeito, mas eu não quero favores. Trabalho para ganhar meu salário e tento desempenhar minha função o melhor possível, mas nunca vou aceitar qualquer outro tipo de auxílio injustificado.
— Agora parece que eu é que a ofendi.
— Não mesmo. Só estou esclarecendo que apesar de pobre, não espero benefícios que não faça por merecer. O senhor me promoveu e eu agradeço. Trabalho até tarde para que não se arrependa da chance que me deu, mas...
— Petal...
— Por favor, deixe-me concluir. A única coisa que eu tenho na vida é minha honra. Receber um salário porque trabalho para isso, faz com que eu possa me olhar no espelho todos os dias. O senhor tem sido um chefe maravilhoso e parece ser um homem generoso também, mas eu não preciso de nada além do que me paga como sua funcionária.
Começo a recolher minhas coisas, um pouco envergonhada do desabafo, mas preciso deixar claro em que ponto estamos, somente para o caso dele estar pensando algo diferente.
Nunca tentou avanços comigo, mas o que sei sobre homens poderosos? Nada.
— Não há qualquer interesse oculto. Gosto de você e isso é tudo. Mas agora sou eu quem quer lhe fazer uma pergunta: se é tão importante para você preservar seu orgulho, por que aceitou o vestido que mandei entregar na sua casa?
— Primeiro, porque o senhor disse que eu teria que ir ao baile de máscaras a trabalho.
Foi a desculpa que ele me deu para que eu vá, e embora eu ache que pode mesmo precisar de mim lá como assistente, em grande parte acredito que tenha sido por pena quando eu lhe disse que não fui ao meu baile de formatura no segundo grau, que seria minha grande chance de usar longo.
— Então aceitou por que não tinha roupa adequada?
— E nem condições de comprar. Considerei seu presente como despesa de trabalho.
— E foi, mesmo — responde, para meu alívio. — Qual a segunda razão para tê-lo aceito?
Pego meu celular e coloco na bolsa. Depois o encaro.
— Eu nunca sonho. Não tenho tempo para isso, porque estou sempre preocupada demais em sobreviver, mas li outro dia que até os realistas precisam sonhar de vez em quando. Depois que meu trabalho no baile de máscaras terminar e eu for à "Noite Escura", vou me permitir sonhar por umas horas.