Capítulo 2 Rafe
Cinco meses depois
Escuto o carryall[4] se aproximar e sou obrigado a interromper a tacada.
— Sabe que não deveria fazer isso, né? — Archer[5] diz.
Ele agora parece minha sombra e mesmo que sejamos muito amigos, não tenho dúvidas de que essa obsessão em cuidar de mim é recomendação do
seu irmão e também meu cunhado, Raul[6].
— O que eu deveria, é conseguir um cotovelo substituto.
— Sentir pena de si mesmo não combina com você, Rafe.
Ele estica a mão para que lhe entregue o taco de golfe, o que me irrita
ainda mais. Eu me afasto, sentindo meu temperamento emergir. Não quero descontar nele, então é melhor que me deixe sozinho.
— Não preciso de companhia, Archer.
Na hora que vou me preparar novamente para a tacada, sinto uma pontada no braço e quase me dobro ao meio de dor. Arremesso o taco longe.
— Porra!
Caio deitado de costas na grama. O braço tapando meu rosto.
— Sua cabeça está fodendo seu corpo e não o contrário — ele diz,
sentando-se ao meu lado.
— Se está tentando começar uma sessão de terapia, não vai funcionar
dessa vez. Poucas pessoas têm a mente mais forte do que a minha, Archer, mas é lesão atrás de lesão desde os vinte e três anos, caralho!
— E mesmo assim, você é o melhor do mundo no que faz. Uma verdadeira lenda, Rafe. Não acabou, cara. Só acabará no dia em que você desistir.
— Meu técnico acha que tenho que me afastar de tudo. Ficar um tempo fora. Treinando de leve, mas não tentar voltar para o circuito por pelo menos um ano.
— Deveria ouvi-lo. Eu me arrependo de quando lesionei meu joelho da primeira vez, ter continuado a forçar. Nunca ficou curado e acho que minha carreira não durará mais do que um ou dois anos a contar de agora.
Pela primeira vez desde que a conversa começou, tiro a cabeça de dentro da minha própria bunda. Ando tão autocentrado que esqueço que as pessoas à minha volta têm problemas também.
— E o que pretende fazer depois?
— Comprar um time[7].
Sento-me para encará-lo, achando que está brincando, mas ele não sorri como costuma fazer.
Archer é um debochado nato. O tipo de pessoa que você ama ou odeia, mas seu rosto está sério agora.
— Como consegue lidar com isso? O fim de sua carreira, quero dizer.
— Não muito bem. Se fosse há alguns anos, provavelmente eu iria ladeira abaixo, enchendo a cara, comendo um monte de mulher, não que eu não esteja fazendo isso. — Sorri. — O que estou tentando dizer é que provavelmente eu poria fim na minha carreira antes mesmo que o joelho me obrigasse.
— E agora pensa diferente?
— Não tão diferente, mas eu e Raul temos conversado muito. Estamos planejando comprar um time. Começar do zero, com os novos talentos. Tem
um garoto, Bruno Cooper[8], que está se destacando.
— Do jeito que está falando, parece que já tem tudo em vista.
— Não mesmo. Raul tomou a frente, talvez porque para ele seja mais fácil
do que para mim. Meu irmão ama futebol americano, mas desde sempre sabia que em algum momento iria parar. Eu não. Jogar é o que faço de melhor. Não vejo alternativa.
Não me lembro de termos uma conversa tão franca antes a respeito do fim de nossas carreiras. Archer me entende, porque futebol para ele, assim como o golfe para mim, é oxigênio. Por mais que minha família seja unida, nenhum deles tem esporte como profissão.
Não é que eu não saiba fazer outra coisa. Eu não quero fazer outra coisa. Desde pequeno sou um campeão. Competir é a minha vida.
Em algumas lesões anteriores, eu tentei trabalhar na administração dos
hotéis[9] da minha família ao lado de Guillermo[10] e quase enlouqueci. Ficar trancado em uma prisão de concreto para mim é a morte.
— Competir é tão fundamental como respirar. Não me basta ser um bom jogador. Desde pequeno treino muito para ser o melhor.
Ele acena com a cabeça, concordando. Em seu campo de atuação, Archer não é em nada diferente de mim.
— E esse lance de ficar um tempo fora, como seria?
— A única maneira de me recuperar totalmente, segundo os médicos, é ir para um lugar que não tenha campo de golfe. Caso contrário, vou voltar a treinar. Eu me conheço e eles também.
— E vai aguentar? Quão longa seria essa retirada?
— Não sei. Um ano, provavelmente.
— Foda-me! Para onde?
— Uma ilha. Só telefone via satélite para falar com a família. No mais,
focar na fisioterapia e treino muito leve.
— Retiro o que eu disse sobre sua cabeça estar fodida, Rafe. Você é
mentalmente forte para caralho.
Olho para o horizonte, onde um jogador está ao lado de um professor e
ainda assim segurando o taco completamente errado. Nem por um milagre ele
conseguirá acertar o cup[11].
— E quanto às mulheres? Vai ficar um ano sem foder?
— Depois do último escândalo envolvendo meu nome, um detox de sexo
não seria nada mal. Ele gargalha.
— Sabe o que é o melhor? Gael[12] era tachado de bastardo pelas ex e você, de príncipe. Se eu fosse mulher, Deus me livre e guarde porque sou bem apegado ao meu pau, eu preferiria mil vezes me envolver com alguém como ele do que como você. Um pé na bunda certeiro é muito melhor do que um talvez eterno.
Dou de ombros.
— Minha mãe disse outro dia que herdei isso do papai.
— Está de sacanagem? Stewart com aquela cara séria?
— Agora, né? Depois que dona Isabel o pegou pelo cabresto, mas segundo
ela, não é só fisicamente que somos parecidos, mas no bico doce[13] com as mulheres também.
— Sua mãe é maravilhosa.
Archer meio que foi agregado à minha família. Por mais que Aurora[14], a mãe adotiva de Raul, o trate como filho também, acho que ele nunca superará o fato de ter sido separado do irmão na infância, ainda que a culpa não tenha sido dela.
— Ela é, sim. A mais forte que eu conheço.
— É estranho com todos os seus irmãos se casando em sequência, como se tivessem sido contaminados com algum tipo de vírus do amor ou uma merda assim, que você continue vivendo sua liberdade como se não houvesse amanhã.
— O roto falando do esfarrapado.
Ele arranca um pedaço de grama perto de seus pés.
— É diferente. Não tive qualquer exemplo de relacionamento homem-
mulher que tenha dado certo. Talvez meus pais biológicos tenham se amado, mas eu nunca terei certeza. Fui criado por um solitário que tinha namoradas em série e que viveu sua vida assim até falecer. Já você, teve pais amorosos e como se não bastasse, seus irmãos são felizes no casamento, se formos levar em conta a velocidade com que os bebês Caldwell-Oviedo se multiplicam.
— Eu adoro mulheres como gênero, mas não me imagino com uma só. Relacionamentos exigem dedicação e a minha vida é o golfe.
— Todos os guerreiros dizem isso antes da queda.
— Falou o maior galinha de Boston.
— O que eu posso dizer? Depois que meu irmão se casou com a sua irmã, precisei manter o bom nome da família. — Ele se levanta, rindo. — Agora vamos ao que interessa: vai ficar um ano sem sexo, ao que tudo indica, então que tal fazer uma super despedida? Tenho o melhor programa possível.
Eu me levanto também.
— Não estou no clima, cara.
— Porra, Rafe, você está vivo. Considere isso uma despedida pré-celibato. — Onde seria?
— Um dos meus patrocinadores vai fazer um baile de máscaras daqui a
uns dias.
— Ah, não. Dispenso. Vou me sentir ridículo de máscara.
— Calma, não acabei de falar. A parte do baile de máscaras é só para a
imprensa. Depois vai ter uma mega festa organizada pelo filho do meu patrocinador.
— Continua na mesma para mim. Estou de saco cheio de festas em que sempre vemos as mesmas caras.
— E se não puder ver?
— O quê?
— A partir de meia-noite, a festa vai ser no escuro. Boate, muita bebida,
mulheres lindas. Nada de luz.
— Nunca ouvi falar disso. Restaurante no escuro, sim. Boate, nunca. A ideia não me agrada. Sobre o restaurante, quero dizer. Sou controlador demais e gosto de ver se o que estou comendo é o que pedi.
— Não seja ranzinza. Pego você às oito.
— Nem fodendo. Se vamos beber, iremos de táxi.
— Então isso significa um sim?
— Sim, mas se estiver chato, antes mesmo das luzes apagarem, eu caio
fora.