Capítulo 6 DAY SPA
Já era quase sete da manhã. Vesti um conjunto confortável de terno e bermuda de linho, de marca renomada com slippers dourados. Precisava descansar meus pés, pois os sapatos que usaria com o vestido de noiva embora fossem confortáveis, eram altíssimos.
Não usei maquiagem, pois logo faria os procedimentos de limpeza facial.
Quando desci para o café da manhã, a mesa já estava posta... Para uma pessoa. Min-ji serviu-me de uma xícara de chocolate quente.
— Ninguém vai tomar café da manhã comigo? — perguntei, só para confirmar o que já estava bem claro.
— Sua mãe marcou o “dia de mãe da noiva” para bem cedo, seu pai não chegou ainda da viagem e a sua irmã apareceu quase pela manhã e pediu para não ser acordada em hipótese alguma porque precisava descansar.
Suspirei, resignada:
— Colin já foi?
— Sim.
— Estou para ver uma pessoa mais certinha e cheia de manias do que o meu futuro marido. — Bebi o chocolate fumegante e perfeito.
— Não pode falar... Você também é.
— Eu? Você quer dizer cheia de manias ou certinha?
— As duas coisas. — Ela sorriu, colocando a mão na frente da boca.
— Sabe que não me acho este tipo de pessoa?
— Mas é... Não a imagino fazendo algo errado.
— Min, eu vou sentir sua falta... Muito — confessei.
— E eu a sua. A parte boa é que vai morar próximo... E certamente virá com frequência visitar sua família.
— Sim... Acho que depois da lua de mel já vou vir ocupar a minha cama. Juro que se pudesse, a levava junto. Será que vou conseguir dividir a cama com alguém todas as noites? Eu ocupo literalmente todo o espaço que há no meu colchão.
— Vai acostumar.
— Eu ainda vou tentar convencer meu pai a deixá-la ir comigo, Min...
— Sabe que ele não vai aceitar. Trabalho com o senhor J.R e a senhora Calissa há mais de vinte anos. Ninguém sabe mais as manias desta família do que eu. Como seu pai mesmo diz: “Só eu sei a forma como ele gosta que passem as suas camisas e calças e o que ele gosta de comer a cada dia da semana” — ela disse, orgulhosa.
Sim, Min-ji trabalhava como governanta dos Rockfeller desde sempre. Nasci e ela já fazia parte da nossa família. Ela tinha folga a cada quinze dias, nos finais de semana, porque literalmente meus pais não viviam sem sua presença. Eu poderia definir aquilo como trabalho escravo, não fosse o fato de ela ganhar um alto salário para ser responsável por toda a nossa casa e família. Salário este que a fez sustentar os dois filhos, pagar alguém para cuidá-los adequadamente, dar-lhes a oportunidade de estudar nas melhores escolas do país e não privar a família de nada, exceto dela mesma.
Ela era de origem asiática e seu primeiro trabalho quando veio para Noriah Norte foi na família Rockfeller, quando meus pais não eram tão conhecidos no país e estavam apenas iniciando no ramo da música. Apesar de minha família ser extremamente afeiçoada a ela e saber retribuir financeiramente todo carinho que tinham pela governanta, nunca misturaram as questões profissionais com pessoais. Por isso, não conhecíamos a família de Min-ji. E por mais que ela fosse indispensável na nossa família, jamais lhe deram outro lugar a não ser o de governanta.
Terminei o chocolate e comi uma fatia de bolo quentinho de baunilha com gotas de chocolate.
— Chocolate com chocolate. — Ela riu, enquanto me observava fechar os olhos, delirando com as gotas derretendo na massa.
— Inevitável... — Levantei, com o pedaço do bolo ainda na mão. — Preciso ir...
— Mas não é só às nove seu horário?
— Sim... Mas... Não quero correr o risco de atrasar. — Peguei minha bolsa e dei um beijo nela. — Volto final de tarde... Não esqueça de mandar o restante das minhas roupas para a casa nova, Min. Não deixe absolutamente nada do closet.
— Não se preocupe. E faço questão de arrumar todo seu novo closet.
— Obrigada. Amo você.
— Também amo você.
Entrei no carro e olhei no relógio. Faltava vinte minutos para as oito horas da manhã. O motorista deu a partida e enquanto nos dirigíamos para o portão principal externo, falei:
— Eu posso ter esquecido uma coisa num lugar um pouco longe daqui. Será que poderia passar lá antes?
— Claro, senhorita Rockfeller. Onde é?
— Na autoestrada, passando do centro da capital. — Procurei o endereço do Cálice Efervescente no meu celular e mostrei para ele: — Fica aqui.
Por mais surpreso que ele tenha ficado, não contestou. Seguiu caminho e quando percebi eu estava mais uma vez na frente do bar Cálice Efervescente.
Abaixei o vidro automático do automóvel, vendo o local fechado. Não me dei em conta que certamente não estaria funcionando àquela hora da manhã. Parecia diferente a luz do dia... E que tudo que houve na noite anterior tinha sido um sonho, distante e perfeito.
Senti meu coração bater forte e fechei os olhos, respirando fundo. Eu jamais encontraria aquele homem novamente. E nem deveria querer encontrar, pois ele poderia ser a minha perdição. Tinha que ficar feliz por ter resistido a ele e manter meu casamento e os planos de uma vida inteira de pé.
— Parece estar fechado, senhorita Rockfeller. Mas se quiser, posso descer e tentar encontrar alguém lá dentro... Ou até mesmo o telefone do responsável, caso o que precise seja de extrema urgência.
— Não... Não precisa. Está tudo bem. Vamos para o Spa, por favor.
O motorista deu a partida e dirigiu lentamente até a estrada asfaltada. O carro seguiu, em direção ao SPA, o lugar onde eu me prepararia para o meu casamento, planejado por longos anos.
Olhei para trás, vendo através do vidro escuro o local mais louco que já frequentei na vida ficando cada vez mais longe... Assim como Charles, o cantor, barman e homem mais lindo do mundo. Eu sabia que em breve a lembrança dos olhos dele ficariam tão distantes que pareceria um sonho e eu já nem lembraria mais direito da cor exata deles.
Então voltaria a viver a minha vida perfeita, rodeada de tudo que o dinheiro podia comprar: amigos, família, conforto e um futuro promissor.
Cheguei no SPA antes das nove horas. Fui recebida pela proprietária do local, que fez questão de tirar fotos comigo e solicitar autorização para postar na internet a minha presença. Autorizei, mesmo sabendo que meu pai não gostava da exposição das filhas na mídia, por isso o fato de eu e minha irmã não termos nenhuma rede social.
Em pouco tempo J.R não teria mais nenhuma autoridade sobre mim e eu faria o que quisesse e da forma como achasse melhor. E certamente iniciaria cancelando a faculdade de Direito e indo procurar algo que eu realmente gostasse de fazer... Ou seja, qualquer coisa, exceto Direito, que eu odiava.
A rotina do grande dia iniciou com uma bela massagem shiatsu, esfoliação corporal, argila terapia antiestresse, banho de ofurô com espumante, hidratação completa corporal e massagem relaxante.
Depois foi servido o almoço, no segundo andar, num deck de frente para uma piscina completamente limpa e convidativa. Eu nem pude reclamar do excesso de saladas e proteínas, pois sabia que tinha tomado um café da manhã completamente calórico e precisava perder qualquer centímetro de barriga até a hora de pôr o vestido de noiva pela última vez depois das quatro provas.
Eu estava a remexer a comida, sem muito apetite, quando a porta de vidro automática se abriu e vi minha mãe, radiante e linda, como sempre, num belo vestido preto e sandálias da mesma cor.
Calissa Rockfeller era uma mulher alta, morena, de pele clara e cabelos longos e sedosos. Os olhos eram castanho claros e ela tinha seios fartos e pernas longas. Eu e Mariane nos parecíamos com ela.
— Mãe! — Nem cheguei a levantar da cadeira e ela deu-me um beijo na testa, sentando junto de mim, enquanto largava a bolsa pequena, com o enorme logo da marca, sobre a mesa.
— Não pensou que eu fosse deixá-la almoçar sozinha no seu último dia de solteira, não é mesmo?
— Pensei que sim... — confessei, sorrindo feliz com a presença dela.
Não demorou nem cinco minutos e foi trazido um prato para Calissa e a mesa foi reposta para duas pessoas. Ela logo serviu-se, elogiando a comida:
— Adoro este tipo de comida, com a preocupação de uma dieta balanceada.
— Como se não fosse assim na nossa casa. — Comecei a rir.
— Sei muito bem que Min-ji dá comidas calóricas para você, mesmo eu dizendo que não deve fazer isso.
Comecei a rir e ela tocou meu rosto, carinhosamente:
— Precisa cuidar sua alimentação agora que vai estar longe de casa. Se comer tudo que tem vontade, ficará gorda e com a pele feia.
Me recostei para trás na cadeira, pondo novamente meus óculos escuros, pois a claridade do sol atrapalhava um pouco minha visão:
— Penso em fazer isso de cuidar a alimentação... Depois que passar um mês comendo tudo que tenho vontade.
— Não... Por Deus, não posso permitir tal absurdo. — Ela fingiu pânico, arregalando os olhos.
— Eu ainda não me conformo de vocês não me cederem Min.
— Eu também não vivo sem Min-ji, meu amor. Mas sei o quanto ela mima você... E sempre que for nos visitar, a deixarei me enganar e lhe dar doces e chocolates.
— Mãe, promete que vai me ligar todos os dias?
— Eu prometo, meu bem.
— Eu vou sentir saudades.
— Só durante a lua de mel, que nem é tão longa assim, afinal, cinco dias passam rapidamente. Depois estaremos próximas. Você poderá usar seu próprio carro, pois não terá seu pai medroso e protetor por perto.
— Como se Colin não fosse quase uma cópia do meu pai. Já disse que devo trocar o carro por um blindado ou só me deixará andar com o motorista. — Revirei os olhos.
— Fico feliz que ele se preocupe com você.
— Sim, ele se preocupa.
— Você será feliz com Colin, minha filha.
— Serei? — perguntei seriamente, retirando os óculos escuros e a encarando.
— Tem dúvida? Vocês se dão bem... São um casal perfeito. Colin jamais a fará sofrer... Ele faz tudo por você.
— E... É isso que devo levar em conta, mamãe?
Ela arqueou a sobrancelha:
— Como assim?
— Acha que a questão de ele ser bom comigo e nunca me fazer sofrer é suficiente?
— Você o ama, não é mesmo?
— Eu... Amo... Acho que amo.
— “Acha” que ama?
— Eu... Sempre achei que amava... Mas... — Fiquei insegura de conversar com ela sobre o que eu realmente sentia, pois nem eu sabia ao certo. — Acho que estou nervosa porque logo mais estarei casando — finalizei, sem coragem.
— Certamente. O dia de noiva é de nervosismo e a hora de entrar na igreja é pior ainda. Sentirá medo, ansiedade, alegria... Tudo junto e misturado. Mas quando estiver no altar, junto de Colin, será tudo perfeito. E saberá que é o seu desejo estar ali.
— Você sempre amou meu pai? Sempre soube que ele era o homem da sua vida?
— Sim, eu sempre soube. Nós fazemos o possível para o casamento dar certo.
— E é preciso fazer o possível? Não há chance de ser tão perfeito que não é necessário alguém abrir mão de algo, pois ambos são como são e se aceitam assim?
— Sempre é preciso se moldar de alguma forma para entrar no mundo do outro... Morar com Colin é diferente de receber Colin na sua casa. Vocês dividirão um mesmo espaço...
— E uma cama... Eu gosto de uma cama espaçosa e vou ter que dividir com ele.
— Esta é uma reclamação pouco convincente, não acha? Vocês podem fazer uma cama do tamanho que quiserem. E posso apostar que Colin não se importaria de respeitar o seu espaço na hora de dormir.
— Sim...Eu sei.
— Filha, Colin é um rapaz extremamente gentil e carinhoso. Ele a fará feliz e eu não tenho dúvidas disso.
— Colin é muito, mas muito correto. E isso me irrita às vezes. — Me ouvi falando.
— Você também é uma garota correta... Sempre foi. Tão correta que só namorou com Colin Monaghan e hoje se casará com ele, sendo o grande orgulho de mim e seu pai.
— Fala pela questão de eu ter tido só Colin de namorado... E nenhum outro homem?
— Também... Mas especialmente por ter escolhido um homem da mesma condição social que você. Este sempre foi o nosso maior medo... Você ou sua irmã se interessarem por alguém que não fosse do nosso nível.
Enruguei a testa, tentando assimilar o que ela falava naquele momento. Mas simplesmente não havia palavras para descrever aquele pensamento tão pequeno e mesquinho.
Minha mãe colocou a mão sobre a minha:
— Sou muito orgulhosa de você.
— Quer dizer que se eu amasse alguém que não tivesse a mesma condição social que nós, vocês teriam impedido o meu relacionamento?
— Se chegasse no nível tão sério quanto o do casamento, sim.
Olhei para ela novamente, confusa e incapaz de continuar aquele diálogo pobre de espírito e valores.
— Eu... Acho que está na hora da segunda parte do dia... — Sorri, fingindo estar tudo bem.
Calissa levantou imediatamente:
— E eu não quero atrapalhar a noiva mais linda do mundo. Esperaremos você em casa para nos dirigirmos juntos à igreja.
— Ok.
Levantei e saí, deixando-a ali.
A tarde custou a passar. Fiz pé e mãos, massagem com pedras quentes e hidratação facial. Após a maquiagem, um leve ondulado nas pontas dos cabelos, que preferi deixar soltos. Como estavam simples, decidi fazer uso do véu, que colocaria quando chegasse na igreja.
O vestido era assinado por um estilista novo, mas que certamente em breve faria sucesso. Eu quis ousar como uma pessoa que ainda “ousasse” um pouco com a questão da vestimenta da noiva, sem se preocupar com a opinião do povo por detrás dos bastidores. E saiu exatamente como eu desejei.
A escolha foi um tomara que caia, que evidenciaria meu colo e busto. A parte de cima era extremamente simples, clean e sem detalhes. Em compensação ele ousou na saia, longa, cheia de tules brilhantes e amassados, que compunham um belo rodado.
Usei um lindo colar com um valor inestimável, dado pela mãe de Colin, pertencente aos antepassados dos Monaghan, para ser usado naquele momento especial.
Meus sogros eram pessoas simpáticas e gentis. Colin era filho único e muito mimado por eles. Nossas mães eram amigas e organizaram praticamente toda a festa. A sorte é que me deixaram escolher o vestido de noiva. Minha mãe queria um vestido diferente, mas sem saia rodada, querendo que eu apostasse num estilo sexy, talvez curto na frente e comprido atrás. Já minha sogra queria algo tradicional, torcendo pelos sarowsky, que eu detestava. Gostei do colar que ela me deu justo porque era de pedras naturais e raras e ouro, destoando um pouco do tradicional e combinando perfeitamente com o vestido simples e sem detalhes na parte de cima. Não fiz uso de brincos nem pulseiras, quase deixando o estilista louco de tristeza.
Enfim, o resultado final foi o que eu esperava: bonito, mas não chamativo. Exceto os sapatos, que apostei num rosa chiclete com plataforma. Uma pena que ele não aparecia sob a saia cumprida do vestido, que ficava na altura do chão.
Enquanto aguardava o motorista, sentei sobre a escada do deck, observando o dia que começava a dar lugar para a noite, conseguindo ver o pôr do sol. Deitei sobre a madeira lisa e morna do sol quente que fez naquela tarde e olhei para o céu, avistando algumas poucas estrelas que em breve estariam brilhando com força. Em uma hora eu estaria casada com Colin Monaghan, o homem que julguei amar desde sempre e que exatamente naquele momento me incomodava o simples fato de não ter querido fazer sexo comigo por ser no quarto dos meus pais, ou não haver preservativo.
Talvez fosse o nervosismo da hora H que se aproximava, afinal, nunca houve dúvidas... E nem teria, se aquele cantor barato de “meia tigela” não tivesse aparecido na minha vida menos de doze horas antes do meu casamento.
Porque quando eu fechava os olhos, só conseguia avistá-lo na minha frente, com o sorriso no canto dos lábios, os olhos verdes estreitos e inquisidores, o cheiro de perfume barato que eu ainda sentia se respirasse mais fundo, a voz suave e sarcástica me chamando de “garotinha”. Ah, como eu queria lhe mostrar que eu não era uma garotinha... Que eu poderia fazê-lo enlouquecer com o fogo que queimava meu corpo.
Sim, eu senti vontade de beijar e me entregar para o cantor do bar de beira de estrada, que me fez beber tequila e cantou “Star me Up” para mim.