Capítulo 3 EU NÃO POSSO
Assim eu fiz: o segui de volta pelo corredor, voltando ao bar.
— Eu... Preciso voltar para o palco. Afinal, recebo para isso. — Sorriu, com o olhar dentro do meu.
— Você... Canta e toca muito bem — observei.
— Um elogio? Estamos evoluindo. — Os lábios se abriram num sorriso novamente, que retribui.
— Eu... Entendo um pouco de música... Não muito, mas um pouco.
— Tanto que não sabia nem o que sugerir para sua última música de solteira? — ironizou.
— Eu bebi demais, confesso.
— Ou... Pode ter ficado completamente sem palavras ao ver a performance do vocalista da Dreams.
— Claro que não! Você é muito convencido.
— E você tem um vocabulário bem restrito, bebê... Já falou esta frase.
— Você fica cuidando cada palavra que eu digo, por acaso?
— Sim... Infelizmente sim.
— Infelizmente? — Arqueei a sobrancelha, questionadora.
Tay apareceu e me abraçou:
— A experiência que estamos vivendo aqui será eterna, amiga.
Ah, eu que o diga, Tay!
— Olá... Sou Charles. — Ele estendeu a mão na direção dela, que lhe deu um beijo no rosto.
— Sou Tay, melhor amiga de Sabrina.
Melhor amiga? Eu não sabia desta parte. Nunca considerei ela minha melhor amiga. Eu tinha o mesmo sentimento por cada uma delas.
— Tay, você acredita que Sabrina quer ir embora porque precisa acordar cedo amanhã? Quem faz isso na despedida de solteiro? Aposto que o noivo está se divertindo muito esta hora, enquanto ela quer ir para casa dormir. Eu não acho isso justo, nem certo. E você? — Charles falou, finalizando com o olhar sobre mim.
Tay riu, jogando os cabelos para trás:
— Colin deve estar se divertindo sim. E Sabrina tem obrigação de fazer o mesmo. Eu ouvi mal ou você dedicou “Star me up” para ela?
— Dediquei... E não lembro de ela ter sequer agradecido. E mais: dei tequilas de graça para ela. E também não recebi sequer um obrigado.
— Ela pode lhe agradecer com muita grana... — Tay deu de ombros. — A não ser... Que você queira outro tipo de agradecimento. — Ela sorriu, arqueando a sobrancelha divertidamente.
— Que tipo de agradecimento acha que eu posso querer, Sabrina? — Ele olhou para mim.
Senti meu rosto pegar fogo e a cabeça girar.
— Eu já disse que você canta bem? — Tentei me sair da pergunta com estilo.
— Já... Acho que posso ajudá-la a ampliar o vocabulário. — Charles começou a rir.
— Pode falar com seu pai, Sabrina. Eis que podemos ter à frente o próximo astro de Noriah Norte. E descoberto por você.
Comecei a rir:
— Desde quando meu pai se importa com minhas descobertas?
— Por que o pai dela? — Charles olhou para Tay.
— Charles, você vem ou vai ficar flertando com as adolescentes? — um homem mais velho o intimou. — Sabe quantas bandas me pedem para tocar aqui?
Ele coçou a cabeça, abaixando um pouco o rosto, parecendo constrangido:
— Preciso ir, garotas.
Charles virou as costas e saiu.
— Se alguém falasse comigo desta forma, eu demitia — falei.
— Sim, demitiria se fosse a dona do lugar. No caso, seu vocalista parece não ser o dono do Cálice Efervescente.
As outras meninas se aproximaram, inclusive Mariane.
— Amiga, o vocalista de olhos verdes e jaqueta de couro, legítimo bad boy, está na sua — Dill falou, recostando-se de costas no bar.
— Se eu fosse você encerrava esta despedida com chave de ouro e ficava com ele — Lina completou.
— Eu? Não...Claro que não.
— É sua despedida de solteiro — Dill lembrou.
— Isso não significa que eu tenha que trair Colin.
— Você é muito certinha! — Mariane pediu o menu de bebidas ao barman.
A abracei e disse:
— Isso quer dizer que não vamos embora agora?
— Não... Não vamos. Se é sua vontade encerrar suas últimas horas de solteira aqui eu vou atender seu pedido. — Ela pegou o celular. — Mas não vamos demorar muito.
— Obrigada.
— Sem clube de mulheres? — Tefy perguntou.
— Sem clube de mulheres — Mariane confirmou e todas nós pulamos e batemos palmas, satisfeitas.
Pelo visto o desejo de ficar no Cálice Efervescente não era só meu.
— Venha, vamos ver a banda de perto — convidei minha irmã.
— Não... Vou ficar por aqui. Me embrenhar no meio desta gente não me agrada... Como assim não tem Vueve Chiqcuot aqui? — Os olhos dela passaram pelo menu de bebidas.
— Eles nem sabem que isso existe aqui, irmã. E ainda assim o lugar é legal. Fui... A noite é curta — falei, quase correndo para chegar novamente até o palco.
Dancei, me diverti, como há tempos não lembro de ter feito. Eu tinha feito dezoito anos há pouco mais de um mês e achava que conhecia todos os lugares de Noriah Norte. E realmente conhecia... Os do meu nível social. E confesso que os achava bons. Até encontrar o Cálice Efervescente, um bar de beira de estrada, encontrado coincidentemente na noite da minha despedida de solteira.
Não tenho certeza se gostei daquele lugar ou do barman/vocalista/guitarrista que conheci ali.
O certo era que ninguém ali se importava com a marca que eu vestia ou calçava, quem tinha feito meu cabelo ou maquiagem, a forma como eu andava ou dançava. Eu podia ser eu mesma sem a análise crítica de ninguém. Aliás, aquele povo não sabia quem era Sabrina Rockfeller, herdeira de um dos maiores patrimônios financeiros do país.
Eu era só uma garota de dezoito anos no meio da multidão, encantada com o vocalista da banda desconhecida, como tantas outras que pareciam estar ali pelo mesmo motivo.
Geralmente eu e Colin frequentávamos restaurantes caros e depois íamos para Motéis ou Hotéis bem-conceituados. Vez ou outra íamos a alguma boate recém-inaugurada, quando tínhamos convites VIPs. Mas não perdíamos as festas e coquetéis dados por J. Rockfeller, meu pai, em todo o país.
Colin era um pouco avesso à boates e casas noturnas. Também não curtia dançar. Estávamos inclusive fazendo aula de dança para o casamento, pois uma banda famosa tocaria na noite da nossa festa. Estariam vindo de uma turnê em outro país especialmente para o grande dia, em função de um favor que deviam ao meu pai.
Das bandas e cantores famosos que tinham em Noriah Norte e também os mundialmente conhecidos, mais da metade deles pertenciam à gravadora do meu pai, a J.R. Music.
Depois de uma hora de música, a banda finalmente despediu-se do público. Fiquei ali, parada, no meio das pessoas, esperando Charles descer. E eu nem sabia ao certo o que diria para ele.
Observei as mulheres o cercarem, pedindo fotos e elogiando sua performance. Quando nossos olhos se encontraram, um calafrio percorreu minha barriga, jamais sentido antes, como se tudo dentro de mim queimasse como fogo.
Charles era onze anos mais velho do que eu. Meu noivo era cinco. Fiquei curiosa sobre a experiência de dormir com um homem de quase trinta anos. Ele tinha jeito de ser bom de cama.
Olhei no relógio e já era uma e meia da manhã. Não sei quanto tempo ele ficaria rodeado pelas mulheres histéricas. E eu não podia esperar. Aliás, eu nem deveria estar ali, sozinha, no meio da pista de dança, esperando pelo próximo passo dele. Eu era uma jovem noiva, com um casamento planejado por anos, que aconteceria dentro de algumas horas.
Respirei fundo e virei as costas, me dando conta de quem eu era: Sabrina Rockfeller. Eu não era o “bebê” ou a “garotinha” dele.
Quando estava saindo da pista de dança, senti alguém me puxar. Desequilibrei-me e quase caí, chocando o corpo contra o dele. Nossos olhos se encontraram e ficamos um tempo assim, segundos que pareceram horas. Meu coração parecia querer deixar o peito e juro que consegui ouvir claramente as batidas do dele, tão intensas quanto as minhas.
— Onde pensa que vai? — ele perguntou, sem me soltar.
— Eu... Vou embora.
— Pensou em ir embora sem se despedir? — Senti a mão quente nas minhas costas.
Antes que eu traísse meu noivo e corresse o risco de não chegar em casa naquela noite, me afastei rapidamente, mesmo a contragosto.
— Bem... Acho que é aqui que nos despedimos, vocalista da banda Dreams, guitarrista e barman nas horas vagas.
— Mariane já está no carro. Tay já foi também. Estão esperando por você — Dill avisou, parando ao meu lado.
— Eu... Estou indo — garanti, implorando com os olhos que ela se fosse e deixasse eu me despedir.
— Nos encontramos lá... — Dill pareceu entender e se foi.
— Então... Acho que não vamos nos ver novamente, não é mesmo? — a pergunta era quase uma afirmação.
Confirmei com um aceno de cabeça.
— Ou, se nos vermos de novo, você será uma mulher casada.
— Certamente — garanti.
— Foi um prazer... Sabrina. — Charles pegou minha mão e beijou o dorso dela.
Eu sorri:
— Invista na sua carreira de cantor. Você tem mais talento para vocalista do que para barman.
— Jura? Mas fui um bom barman ao lhe indicar tequila.
— Aquilo era horrível. Só bebi para não lhe fazer desfeita.
— Confesso que tentei embriagá-la — ele disse.
Olhei nos seus olhos, não tendo certeza se era verdade ou brincadeira.
— Eu preciso ir.
— Não quer saber por que eu quis deixá-la bêbada? — Fixou os olhos nos meus.
— Eu... Acho que não.
Charles sorriu e meneou a cabeça:
— Posso pedir um beijo de despedida?
— Sim... — Senti meu coração acelerar e dei um beijo no rosto dele, aspirando imediatamente o perfume masculino barato que tomou conta de todo meu ser.
Eu pagaria qualquer coisa por aquele perfume como lembrança. Mas não sabia qual era... Não reconhecia pelo aroma.
— Você cheira bem... — ele observou.
— Você... — eu diria “também”, mas seria visível o quanto eu estava confusa e interessada nele. — Adeus.
— Sabrina, quando eu disse que queria um beijo, não pedi no rosto. — Pegou minha mão, puxando-me de encontro a ele, fazendo com que o encarasse, tão próximo que sentia seu corpo.
Juro que pude sentir o gosto da boca dele na minha, mesmo sem beijá-lo. Imaginava suas mãos tocando-me e a barba roçar na minha pele. Mas...
— Eu não posso, Charles. — Me afastei, olhando para baixo.
Ele levantou meu queixo e fez-me encará-lo:
— Me diga que eu não mexi com nada dentro de você e paro de importuná-la.
— Charles, eu amo meu noivo. E sou uma mulher fiel. Não posso fazer isso. Iria contra meus princípios, valores e tudo que acredito sobre amor, fidelidade e compromisso.
— Eu não acredito nesta porra de fidelidade, valores, amor e compromisso.
— Mas eu acredito.
— Isso não existe.
— Não concordo. Eu... Eu preciso ir.
— Sabrina, você vem ou não vem? — Tefy perguntou, se aproximando.
— Estou indo... — Aceitei o braço que ela me oferecia.
— Tchau... — Ele deu um meio sorriso, parecendo um pouco decepcionado.
— Tchau... Boa sorte com a Dreams.
— Boa sorte com seu casamento. — Charles levantou a mão para o alto e virou as costas, sumindo entre as pessoas.
Conforme nos aproximávamos da porta de saída e a música ia ficando mais baixa, Tefy questionou:
— Deu o beijo nele?
— Claro que não.
Ela começou a rir:
— Não acredito que perdeu a oportunidade. Ele era lindo... Muito lindo. Parecia ter pegada... E que pegada.
— Como pode falar isso? E Colin?
— Para isso são feitas despedidas de solteiro... Se divertir na sua última noite como uma mulher não-casada.
— Me diverti... Mas não preciso trair meu noivo para isso.
— Se me disser que não ficou interessada no cantor, sei que é mentira. Seus olhos brilhavam enquanto olhava para ele.
— Não me interessei — menti.
Estávamos em dois carros. Mariane com o dela e Dill no seu. Entrei no lado do carona, vendo minha irmã recostada no banco, o volante de couro preto entre os dedos, as unhas postiças vermelhas balançando ansiosamente:
— Achei que não voltaria nunca mais do “Cálice Efervescente” — debochou.
— Efervescente... Muito Efervescente... Senhor, que lugar de homens bonitos. E o que era aquele vocalista da banda? — Tefy falou. — Ele ficou interessado em Sabrina.
— Ficou mesmo... E acho que todos do lugar perceberam — Tay observou.
Mariane deu a partida no carro:
— Lugar horrível. Não cheguei a ver o vocalista, mas ouvi sua voz. Não cantava mal.
— Acho que poderiam indicar a banda Dreams para o seu pai — Tefy sugeriu.
— Papai não pegaria uma banda que toca no “Cálice Efervescente”, meninas — Mariane garantiu.
— Perde a oportunidade... Ele tocava e cantava bem... Muito bem — admiti.
— O estilo dele era brega. Mas nada que um banho de loja, um bom corte de cabelo e um perfume importado não resolvesse. — Tay começou a rir.
— Gostei dele do jeito que era... Eu não mudaria nada, nem o estilo, nem a voz, nem um acorde sequer da guitarra — falei.
— Espere seu noivo ouvir isso — Mariane debochou.
Meu celular tocou. Retirei da clutch e vi o nome de Colin.