Capítulo 4 VOCÊ
— Oi, meu amor. Como está?
— Estou bem. Voltando para casa.
— Já?
— Não me diga que ainda está na rua, seu safadinho — brinquei.
Ouvi a risada dele do outro lado da linha:
— Na verdade, estávamos na casa do Sandro. Agora decidimos ir para a Babilônia.
— Babilônia? — Minha voz se alterou. — Vai ver mulheres nuas dançando?
— Querida, você sabe que elas não estão nuas. E não vou pelas garotas... Mas pelas bebidas.
— Bebidas tem em todos os lugares, Colin.
— Sabemos que há bebidas que só existe lá. Não curto muito beber outra coisa além de uísque, mas os rapazes querem fazer algo diferente. Mas se preferir, posso desistir. Sem problemas. Você que manda em mim e sabe muito bem disso.
Comecei a rir:
— Mando?
— No meu corpo, no meu coração e na minha alma.
Respirei fundo e falei:
— Pode ir, Colin. Eu estava brincando. Se divirta.
— E você está indo tão cedo embora... Não estava boa a sua festa?
— Estava... Muito boa. Mas amanhã preciso estar pronta às nove horas para o Day Spa.
— Para ficar ainda mais linda para mim...
— Sim. Não vá tarde para casa, ok? Não quero um marido cansado na noite de núpcias.
— Garanto que não, meu amor. Durma bem e sonhe comigo.
— Você também.
— Eu te amo.
— Também te amo.
Desliguei o telefone e Mariane perguntou:
— Eles vão para Babilônia?
— Sim.
— Por que a gente não vai para lá também?
— Eu concordo. Aquele lugar é fabuloso. — Tay ficou empolgada.
— Não... Eu realmente preciso descansar. Tenho que estar pronta às 9 horas para o Day Spa.
— Nós também. E nem por isso achamos que é necessário chegar em casa antes das duas — disse.
— Vamos para casa — pedi.
“Durma bem e sonhe comigo”. Mal Colin sabia que minha cabeça não conseguia pensar em outra coisa a não ser aquele maldito cantor. Tudo que eu queria era tomar um banho e deitar na cama, fechar os olhos e relembrar tudo, desde a hora que tropecei no fio no microfone dele e senti sua mão na minha.
— Tudo bem com você? — Mariane perguntou.
— Sim... — garanti. — Por quê?
— Simplesmente porque estou fazendo uma pergunta e não me responde.
— Eu... Posso ter bebido demais — falei, pouco me importando com a pergunta que ela havia feito.
Assim que chegamos em casa, desci do carro antes de Mariane estacionar. Corri até a porta e entrei, subindo as escadas diretamente para o corredor dos quartos.
Eu queria muito conseguir dormir aquela noite, mesmo sabendo o quão difícil seria. E não sabia se era por ansiedade pelo momento do meu casamento que se aproximava ou pelo homem que eu havia conhecido horas atrás, que tinha me desestabilizado completamente.
Cheguei ao banheiro e fechei a porta, a observar-me através dos espelhos à minha frente. Meus cabelos longos e escuros, lisos, estavam desalinhados. A maquiagem, mesmo de boa qualidade, não suportara a noite regada a bebida barata e o excesso de pessoas suadas. Meu batom estava somente em parte dos lábios, embora os olhos ainda tivessem as marcas de lápis, rímel e sombra duradouros.
Embora todos dissessem que eu e minha irmã éramos tão parecidas que poderíamos ser gêmeas, eu discordava. Mariane era cinco anos mais velha do que eu, embora não aparentasse. Ambas éramos morenas, com pele clara e cabelos castanho escuros. Minha irmã preferia mantê-los sempre com volume, enquanto eu preferia-os lisos, ao natural. Os cortes eram retos e inteiros, no meio das costas, mesmo que aquilo não fosse planejado. Tínhamos narizes finos e olhos castanhos. Eu tinha lábios mais grossos que os dela. E achava o queixo de Mariane mais fino.
Meu banheiro era branco acetinado. Nada dele destoava do tom, nem mesmo a decoração. Clean, ao mesmo tempo que perfeitamente planejado. O balcão em mármore branco com duas cubas tinha quatro portas no centro e duas gavetas em cada lado, ambas revestidas em espelhos. As torneiras imitavam ouro envelhecido e tinham realmente um valor absurdo. Bom gosto custava caro e aquela casa havia sido planejado nos mínimos detalhes para o nosso conforto. Acompanhei cada parte do projeto do meu quarto.
Havia pouco menos de sete anos que havíamos nos mudado para o local, já que meu pai tinha achado que a casa anterior começava a ficar fora de moda e dos padrões atuais de arquitetura. Foram três anos para tudo ficar ao gosto de J. R e ser finalmente aprovado por ele. A demora também se deu a vários itens de decoração e materiais de construção terem vindo de outros países, como o piso em mármore do meu banheiro, importado.
Toda a casa tinha piso aquecido e cortinas blackout automatizadas. Ao lado do balcão, ficava um móvel considerado um dos mais difíceis de encontrar: balcão transparente, em vidro, com portas e gavetas revestidas em espelho. Tinha um móvel deste em cada banheiro principal da casa, ou seja, três. Não havia sido feito nos banheiros dos quartos de hóspedes. A parte superior dos balcões eram todas espelhadas. O teto contava com lâmpadas claras e minúsculas em led. Sobre o balcão, prateleiras fechadas, também em vidro, imitando caixas, guardavam itens usados no dia a dia.
A decoração, seguindo o estilo de toda a casa, era moderna e minimalista. E pela primeira vez em toda a minha vida, fiquei olhando para mim mesma sem encontrar respostas para as tantas perguntas que passeavam na minha mente, como se analisar o banheiro que eu usava diariamente fosse a coisa mais importante a fazer naquele momento, para não lembrar de Charles, da banda Dreams e daqueles olhos verdes que insistiam em não sair da minha cabeça.
Ouvi uma batida na porta e abri.
— O que você faz... No banheiro? — Mariane arqueou a sobrancelha, curiosa.
— Eu... Vou tomar um banho e dormir.
— Já não deveria estar no chuveiro? — Ela riu.
— Talvez...
— Eu vou para o clube.
— Que clube? — perguntei, confusa.
— O clube de mulheres que reservei para sua noite, Sabrina.
— Ah, sim... — lembrei do tal clube que nem cheguei a pisar os pés.
— Tem certeza de que não quer ir?
— Tenho. E não demore muito por lá, Mariane. Sabe que precisa estar linda ao meu lado amanhã.
Mariane me abraçou carinhosamente:
— Estarei ao seu lado, não se preocupe.
— Obrigada por todo trabalho que você teve para organizar este momento. E me desculpe por não ter sequer chegado até lá.
Ela começou a rir:
— Tudo bem... Por isso mesmo vou me certificar de que tudo teria saído conforme planejei. O que importa é que você gostou, mesmo ficando no Cálice Efervescente... Não acha este nome estranho?
— Sim e não... Estranho, mas não para aquele lugar. — Eu ri.
Minha irmã me deu um beijo no rosto:
— Vou indo. Durma bem, descanse que amanhã você tem um longo dia.
— Hoje, você quer dizer.
— Sim... — Ela olhou no relógio. — Daqui algumas horas você já tem que sair da cama.
— Boa festa... E curta bastante.
Mariane saiu e eu tirei minha roupa, entrando no chuveiro quente, deixando a água escorrer pelas costas, tentando relaxar.
A bebida em excesso me deixava com uma sensação de tontura e ao mesmo tempo bem-estar. Desliguei o registro e sequer pus uma roupa, me jogando na cama king size já arrumada, me esperando.
Geralmente Min-ji, a governanta, me colocava para dormir. A função dela era cuidar da casa, mas de brinde ela teve que me cuidar, já que minha mãe ficou bastante atarefada depois que os negócios do meu pai começaram a se expandir ainda mais. Àquela hora Min certamente estava dormindo.
Meu quarto tinha o piso cinza fosco. As paredes alternavam entre branco e azul turquesa. O teto tinha um círculo em gesso com detalhes mandados fazer por um artista renomado no país, sobre a cama, de onde pendia um lustre com mais de cem lâmpadas. Ele também alternava entre o branco e o azul.
Em cada lateral da parede, onde ficava a gigantesca cama de casal, havia janelas envidraçadas que começavam no chão e iam até o teto, com persianas automatizadas, que eu geralmente não usava, gostando de ver o jardim da casa por ali, independente de ser dia ou noite.
Eu amava estrelas e muitas vezes me deparava, durante a noite, admirando-as pela janela. Virei um dos travesseiros para o lado contrário da cama e deite-me ali, olhando o céu cintilante de tantas estrelas. Escolhi a praia para nossa lua de mel justo para poder passar uma noite inteira sob a luz do luar, ao lado do meu então marido, de onde sabia que o céu era ainda mais claro e revelador.
Mas eu não conseguia sequer ver Colin na minha frente naquele momento. Minha mente estava completamente povoada pelo cantor do Cálice Efervescente e seu belo par de olhos verdes estreitos e inquisidores.
Eu namorava com Colin desde os meus quatorze anos. Ele foi meu primeiro beijo e perdi a virgindade com ele. Também nunca tive outro homem além dele na minha vida. E sempre estive satisfeita com o relacionamento que tínhamos. E jamais tive dúvidas de que o amava... Até aquele momento.
Meu pai era orgulhoso do relacionamento que construí com o filho do seu melhor amigo, de família de renome e tão importante quanto os Rockfeller. J.R sempre deixou muito claro que a possibilidade de um casamento fora dos nossos padrões era improvável.
Tive a sorte de me encantar por Colin Monaghan assim que ele retornou do exterior, onde cursou o Ensino Médio. A Monaghan era a empresa de advogados que dava suporte à J.R Recording. Meu pai não confiava em ninguém além deles para resolver seus problemas e tomar conta de seus negócios com relação à processos e contratos.
Colin se formou em direito no dia que me pediu em casamento. Claro que quando começamos, meu pai não nos deixou levar o relacionamento tão à sério, em função da minha idade. Com 16 anos perdi a virgindade, num Hotel onde havia sido dada a festa de Natal da J.R Recording, que durou um final de semana inteiro. Minha irmã ficou com um cantor famoso na época e eles começaram um relacionamento que não durou seis meses, regado à muitas fofocas e escândalos.
A partir daí meu pai a proibiu de se expor na mídia. O mesmo não foi solicitado para mim, que sempre fugi dos paparazzi e me mantinha no relacionamento com Colin, que também era sério e não curtia badalações ou locais frequentados por pessoas que não fossem do nosso nível social ou círculo de amizades.
Quando Colin Monaghan me pediu em casamento, eu aceitei sem pensar duas vezes e meu pai autorizou, desde que esperássemos eu completar dezoito anos. Desde então, os dois anos seguintes, foram planejando a cerimônia, a festa e nossa casa.
Minha mãe e a de Colin fizeram questão de cuidar da cerimônia religiosa e recepção, que contaria com mais de quinhentos convidados, dos quais eu não conhecia quase nenhum. Eram pessoas do círculo de trabalho do meu pai: cantores, grupos e bandas famosas bem como os advogados mais renomados do país.
Eu curtia a ideia da festa, mas nunca imaginei nada naquela proporção. Neste tempo cuidei da compra da casa e decoração do lugar onde moraríamos Colin e eu após o casamento.
Escolhemos uma mansão próxima da casa de meus pais e dos dele, no bairro mais caro e conceituado do país. Ao lado de onde moraríamos tinha um condomínio onde residia nada mais, nada menos que Heitor Casanova, dono da Babilônia e CEO da North B., a mais famosa e conhecida empresa de bebidas do país.
E assim eu seguia o rumo da minha vida completamente organizada, planejada, sem que nenhum detalhe saísse fora do cronograma. E agora parecia que nada daquilo fazia sentido. Era como se o mundo fosse tão maior lá fora... E eu não conhecesse absolutamente nada.
Existiam outros homens... Havia bares legais, frequentados por pessoas fora do nosso círculo de convivência... E que sabiam se divertir. Tinham bandas compostas de quatro homens e que, mesmo não sendo conhecidas, cantavam e tocavam melhor que tantas outras que ganhavam milhões de norians só porque faziam parte da J.R Recording.
Poderiam haver outras cores... Outros sabores, diferentes beijos e amores. E novos aromas... Que eram tão, mas tão bons, que chegavam a ficar impregnados na nossa pele.
— Tomar banho foi um erro... Porque parece que deixei parte do seu cheiro se ir — falei sozinha, imaginando um homem moreno de olhos verdes, com uma pequena argola na orelha direita, olhando para mim, sentado na cabeceira da cama. — Ah, droga, eu acho que estou bêbada... Muito bêbada. — Coloquei o travesseiro sobre a minha cabeça e fechei os olhos, tentando dormir, mas não conseguindo.
— Sabrina, querida, acorde!
Senti as mãos balançando meu corpo e retirei o travesseiro que estava sobre a minha cabeça, sentindo-a latejando.
— Min? — Olhei para a figura alta, magra, de olhos pequenos e pesados.
— Meu bem, você tem visita.
— Visita? — Sentei de uma só vez na cama, confusa e curiosa. — Quem?
— Um rapaz... — Ela sorriu, parecendo saber o quanto aquilo estava me deixando louca.
Levantei e peguei um roupão de seda que estava preparado por ela sobre a cadeira estofada da penteadeira.
— Não acredito que dormiu nua! — Ela fechou os olhos. — Você nunca fez isso antes.
Não respondi a pergunta e estava saindo na porta quando parei:
— Preciso escovar os dentes antes... Não posso descer assim... — Me olhei no espelho e fui diretamente para o banheiro.
Min-ji me acompanhou, inquieta:
— Sabrina, o que houve com você, garota?
Escovei meus dentes e usei enxaguatório bucal repetidas vezes. Penteei os cabelos e me olhei no espelho. Eu estava parcialmente sexy.
— Seis horas da manhã? — Olhei no relógio enquanto descia as escadas quase correndo. — Como ele me achou?
Sim, meu coração batia forte. Era Charles... Só podia ser ele.
— Onde estão meus pais? — perguntei, aflita.
— O senhor J.R ainda não voltou de viagem. Mas chega antes do meio-dia. A senhora Calissa saiu faz uns cinco minutos. Ela agendou day spa também. Retorna somente próximo do horário de saída para a igreja.
— Ah, que ótimo.
— Menina... — Ela tentava me acompanhar, a passos largos.
Assim que cheguei no meio da escadaria dei de cara com ele:
— Você?