Capítulo 2 STAR ME UP
Fiquei pensativa antes de responder. Charles era um homem maduro. E eu não queria bancar a mocinha inocente. Tampouco desinteressada, mesmo certa de que não rolaria nada entre nós.
— Era só uma brincadeira! — Ele sorriu, percebendo minha incerteza. — Afinal, se esta não é uma festa a fantasia, creio que a garotinha vai casar em breve, estou certo?
Assenti, com a cabeça, ainda com a bebida na mão.
— Quando vai ser? — perguntou, curioso, os olhos nos meus.
— Amanhã.
— Quem se casa aos dezoito anos hoje em dia?
— Eu! E não vejo nada de errado.
— Você é tão jovem!
— Não sou “tão jovem”. Você que é “tão velho” — revidei.
— Ainda assim casamento está fora da minha lista de coisas a fazer na vida.
— Jura? Prefere ficar por aí, atrás de todas as “garotinhas” que entram no bar?
Apoiou os cotovelos no balcão e ficou a centímetros de distância, fazendo com que eu conseguisse sentir a sua respiração morna na minha pele.
— Não me envolvo com “garotinhas”... Só com mulheres maduras.
Quanta petulância! Eu não era boa em respostas. Inexperiente talvez, pois era difícil algo sair fora do meu planejamento. Porém aquele homem parecia não seguir a regra.
— Que bom! Estou longe de estar no seu centro de interesse — foi minha resposta. — No caso, gosto de homens experientes, mas você não faz o meu tipo.
— E qual homem faz seu tipo, “Sabrina”? Confesso que fiquei curioso.
— Gosto do tipo... Gentil, bem vestido, cheiroso, educado, bem barbeado, cabelos bem cortados...
— Sem brincos, certamente... — Riu, mostrando a pequena argola numa das orelhas. — Tudo certo, não há nenhuma possibilidade de nos interessarmos um pelo outro então, estou certo?
— Certíssimo. Agora pare de ficar conversando e me explique como bebo esta coisa e para que serve este sal todo.
Ele pegou o copo da minha mão e disse:
— É simples! Respire fundo, solte o ar, lamba o sal, beba a tequila e morda o limão.
— Como?
— Quer mesmo que eu repita?
— Isso é muito estranho... — Olhei o copo na mão dele, balançando a cabeça, confusa.
— Se importa se eu fizer uma demonstração?
— No meu copo?
— Sim, no seu copo.
Eu teria dito não. Beber no mesmo copo de um desconhecido não era uma coisa que eu faria. Mas eu não entendia bem o motivo pelo qual aquele homem não parecia um simples estranho. E era difícil admitir para mim mesma que eu queria sentir o gosto dele na minha bebida, tocar os lábios em algo que ele tivesse tocado. Droga, eu estava mesmo pensando isso?
— Pode sim... — falei, pensando exatamente o contrário do que eu disse.
Charles passou a língua no sal na borda do copo, bebeu um grande gole da bebida e mordeu um pedaço do limão. E a cara dele não pareceu de desagrado.
— Sua vez, garotinha.
Respirei fundo e olhei para o copo. Soltei o ar rapidamente, passei a língua no sal, bebi um grande gole da bebida completamente amarga, que desceu queimando pela minha garganta até chegar ao estômago, sendo que senti exatamente todo o trajeto dela no interior do meu corpo. Se não bastasse, mordi o limão, azedo, que pareceu não ser nada comparado ao amargor do líquido que havia no copo.
Comecei a fazer careta e balançar o rosto. Charles começou a rir:
— Você se acostuma depois de um tempo.
— Por que todo o ritual? Não dá só para beber o líquido?
— O sal abre as papilas gustativas e o limão fecha, mascarando o sabor áspero e picante da bebida.
— Se riscar um fósforo, creio que isso pegue fogo. — Senti o calor subir imediatamente à minha face.
— Sim, ela pega fogo... Mas não precisa riscar o fósforo... — Ele olhou na direção dos meus seios, fazendo literalmente o fogo espalhar-se pelo meu corpo e o suor começar a descer pelas minhas costas.
— Tem... Ar condicionado aqui? — Olhei para os lados, procurando um climatizador de ar.
— Infelizmente não temos, bebê... Assim como o seu Champagne Vueve não sei o resto...
— Por que de tantas bebidas escolheu me dar esta?
— É tudo que uma mulher precisa antes de casar, eu garanto.
— Charles, pode começar a aquecer. Vocês entram em quinze minutos — gritou um homem mais velho, atendendo do lado oposto do bar.
— Estou indo!
Ele me olhou:
— É agora que me despeço, bebê. Além de barman, sou cantor nas horas vagas.
— Canta bem? — Me ouvi perguntando.
— Muito, muito bem. Pode ficar para assistir... Seria um prazer vê-la admirando minha performance, bebê.
— Você é muito convencido.
— Nem sempre, juro. Mas tem vezes que gosto de vender o produto, que no caso, sou eu mesmo.
Antes que eu dissesse qualquer coisa, ele virou as costas, sem dar explicações.
Procurei Tay, que já não estava mais ali. Bebi o resto da tequila amarga e de sabor forte e quando acabou a dose me sentia muito, mas muito quente.
Eu não conseguia ver Charles no palco, pois tinha muitas pessoas na minha frente.
Procurei minhas amigas, que estavam espalhadas pelo bar. Somente Mariane e Lina estavam sentadas numa mesa, bebendo água mineral.
Fui até elas, sentindo minhas pernas bambas.
— Tudo certo? — Mariane perguntou.
— Por que não estaria?
— Seu rosto está vermelho.
— É a bebida... Quente.
Mariane olhou no relógio:
— Vamos? Já passa das onze. Temos horário marcado.
— Eu... Não sou obrigada a ir — falei, ainda de pé, olhando para elas.
— Você só pode estar louca! O que viu de bom nesta “espelunca”? — Mariane indagou.
— Pega leve, Mariane! É a despedida de solteiro “dela”. Se Sabrina gostou, a gente fica.
Arranquei o véu banco que tinha na minha cabeça e coloquei sobre a mesa:
— Não quero usar isso. Estou me sentindo ridícula.
As duas me olharam. Mariane continuou, não se dando por vencida:
— Eu tive todo o trabalho de organizar a sua noite e você para no caminho para fazer xixi e decide que vai passar a sua última noite de solteira num bar “fuleiro” de beira de estrada? Ei, esta palavra existe?
— Deixa-a se divertir... — Lina falou, bebendo o restante da água de seu copo.
— Lina, vocês não contestam minha irmã de jeito algum... Porque tem medo de ela tirá-las do seu círculo de amizade. No meu caso, falo o que penso, afinal, sou a irmã mais velha e não me importo em ficar puxando o saco de uma Rockfeller para ter algum tipo de benefício.
Lina levantou e disse, saindo:
— Você é uma chata!
Mariane ficou sentada à mesa, sozinha. Virei as costas e ela perguntou:
— Vai deixar sua irmã sozinha, depois de todo o trabalho que tive para organizar a sua festa?
— Eu só quero me divertir, Mariane. E não preciso de um monte de homens nus para isso.
— Trabalhei nisso por meses...
— Me desculpe, Mariane... Mas você nunca perguntou o que eu realmente queria para esta noite.
— Jamais passou pela minha cabeça que você pudesse querer ficar num lugar como este. Aposto que foi contaminada pelos germes do banheiro. Ou o barman colocou drogas na sua bebida. Pode-se esperar qualquer coisa deste lugar, onde as mulheres usam mini saias com botas e os homens cheiram a tabaco e perfume barato.
— Mas eles parecem se divertir mais do que a gente nas nossas festas, não é mesmo? — Virei as costas e fui me embrenhando no meio das pessoas, tentando chegar ao palco.
A música tocada pelo DJ foi baixando o volume até silenciar completamente. Consegui ficar na frente do palco, vendo a iluminação ficar mais fraca e os refletores focarem no palco.
— Boa noite, pessoal. Somos a banda Dreams...
Aplausos e gritos histéricos femininos ecoaram no lugar. O vocalista deu um sorriso e parou por um momento, analisando as pessoas presentes, até seus olhos encontrarem os meus. Charles me encarou por um tempo e eu sustentei o olhar, não desviando. E certamente foi o efeito daquela bebida, que parecia fogo, que me deu coragem.
— Hoje a noite é especial... Temos uma garota que vai casar amanhã... — Os olhos dele seguiram nos meus, fazendo os mais próximos virarem na minha direção, curiosos. — Garotinha, “meus pêsames”.
Todos começaram a rir. Me senti encabulada e não gostei da atitude dele. Humor negro, a meu ver. Se Charles tinha medo do casamento, eu não. Não fui obrigada a casar... Era uma escolha minha...
Balancei a cabeça, decepcionada, e virei as costas:
— Tequila para a noiva! — Charles falou no microfone, fazendo eu virar novamente na direção dele. — Por minha conta... — O dedo indicador apontou para mim.
Fiquei parada no meio das pessoas sem dizer nada, ainda sentindo as pernas moles e desobedientes.
— Pode escolher a música, Sabrina — o homem seguiu falando comigo, como se não estivéssemos num bar cheio e ele ao microfone.
Foi então que eu, a filha do dono da maior gravadora do país, que conhecia vários cantores e bandas famosas, tendo recebido inclusive visita de muitos deles na minha casa, fiquei muda, sem conseguir pronunciar uma palavra, como se não conhecesse música alguma ou não tivesse uma preferida.
— Eu escolho a sua música então, garotinha. — Ele apontou na minha direção e seus dedos tocaram as cordas da guitarra, iniciando a melodia que eu conhecia.
Todos começaram a dançar assim que Charles e a banda Dreams tocaram Star me Up, dos Rolling Stones.
Ok, Charles não era só lindo. Ele tocava maravilhosamente bem. A voz era forte a ao mesmo tempo doce. Conseguia tocar rock e cantar num tom mais lento que o original, quase como se fosse uma música romântica.
Tentei não focar na letra da música e imaginar que tinha sido aleatória aquela escolha.
Um dos barmen entregou-me um copo de tequila, ali mesmo. Fiquei segurando a bebida com as duas mãos, tentando não derrubar enquanto todos se moviam ao meu redor, dançando e pulando no ritmo da música.
Talvez fosse melhor beber tudo de uma vez. Avistei Tay bebendo e conversando com o barman que havia a atendido anteriormente. Dill estava um pouco adiante, beijando um desconhecido. E parecia estar gostando. Lina e Tefy dançavam a alguns metros de mim, rodeadas de alguns homens. Mariane certamente estava sentada onde a deixei. E eu seguia ali, sozinha, como se fosse uma fã da banda, encarando o vocalista enquanto lambia o sal, bebia a tequila e chupava o limão. No terceiro copo eu chupei todo o limão e bebi a tequila sem lamber o sal. No quarto eu estava no mesmo lugar, sem me mover, porque tudo girava ao meu redor.
Meus olhos já não conseguiam encontrar os do vocalista, barman, guitarrista e homem mais lindo do mundo. Senti minha bexiga cheia e me dirigi ao banheiro. Dei dois passos e virei toda a bebida... Na camisa preta dele... E a outra parte em mim.
— Me desculpe... Eu sou desastrada... — Comecei a passar a mão na camisa dele, molhada, tentando secar, como se aquilo fosse resolver.
— Tudo bem, Sabrina. — Ele pegou minha mão e olhou nos meus olhos.
— Sou desastrada...
— É a terceira vez que diz isso. Acho que bebeu demais.
— Meu vestido... Novo... — lamentei.
— Venha, vamos limpar isso e tentar recuperar seu vestido novo.
Ele pegou minha mão e passamos pela multidão, entrando por uma porta do lado do bar. Seguimos por um corredor de caixas de bebidas e chegamos num banheiro grande, branco, não parecendo muito limpo, com um vaso sanitário, uma pia com cuba clara e um chuveiro ao fundo.
— Não acho prudente ficarmos juntos no banheiro... Eu vou casar amanhã — falei, confusa.
— Qual seu problema, Sabrina? Não vou fazer nada com você, ok?
Assenti, com a cabeça, envergonhada. Ele pegou meu queixo e levantou, fazendo-me encará-lo.
— A não ser que você queira.
— Eu...
— Se você está certa do que quer fazer e gosta dele, tudo bem. Por mais que... Eu queira muito beijar sua boca, não farei isso sem seu consentimento. E juro por Deus que nunca, jamais, respeitei tanto uma mulher como estou fazendo com você.
Umedeci meus lábios e depois os comprimi, sentindo meu corpo arder em chamas. Retirei a mão dele do meu queixo, querendo aquele beijo como jamais desejei algo em toda a minha vida:
— Eu... Sou só uma “garotinha”... Talvez por isso me respeite tanto.
— Talvez nossa diferença de idade não seja tão grande quanto você pensa.
— Dez anos? — Chutei.
— Onze. — Ele sorriu.
Abaixei o olhar, focando no piso branco amarelado, desgastado, sem brilho e com vários arranhões, como se aquilo fosse a única coisa que me preocupasse naquele momento.
— Eu... Vou limpar o seu vestido — ele disse, pegando um pedaço de pano que parecia uma toalha, umedecendo-o na água.
Enquanto ele passava o pano no meu vestido, eu já sabia que aquele Chanel não tinha mais serventia alguma, assim como eu.
Charles seguia tentando limpar o que não se via da sujeira. Era só umidade... Eu poderia lavar e tudo ficaria ok. Mas não sei se eu teria coragem de tirar o cheiro dele impregnado no tecido do meu pretinho básico de marca renomada.
Retirei a mão dele e segurei-a, afastando de mim:
— Está tudo certo, Charles. Eu preciso ir agora.
— Para o bar?
— Embora?
— Mas... Recém é meia-noite.
— Sim, mas amanhã é um longo dia para mim. Nove horas já começo os preparativos...
— Entendo... Então vamos. — Ele virou de costas e saiu, esperando que eu o seguisse.