Capítulo 5 A invasão da clínica médica
Após o incidente, Enrico estava mais atento aos movimentos da médica, para que ela não colocasse tudo a perder. Ele alisou o curativo do ferimento, o efeito do analgésico diminuía gradualmente.
De longe, Lívia observou o cenho franzido de seu paciente, era nítido que ele começava a sentir dor. Em certo momento, ele tirou o avental e gemeu baixinho ao tocar no curativo. Havia um pouco de sangue na faixa branca. Tinha certeza que um dos pontos havia arrebentado.
Intimamente, ela se recusava a cuidar daquele homem ingrato e perigoso. Fazia horas que ela estava presa com o mafioso. Enrico só entrou na sua vida para trazer mais problemas e ameaçá-la, então, por que deveria ajudá-lo? Ela continuou sentada, avaliando até onde ele suportaria a dor.
— Tenho pacientes agendados!
— O Hospital não abrirá hoje, diga que os funcionários estão de greve.
— Dependo desse trabalho para me sustentar.
— Pagarei a p0rr4 da dívida assim que estiver em segurança.
— Vou perder o dia de trabalho!
— Já disse que vou te ressarcir. — grunhiu de dor.
O efeito da medicação finalmente passou por completo. Lívia tinha que ter lhe dado um analgésico uma hora atrás, mas as coisas mudaram um pouco quando Enrico se tornou violento apontando uma arma em sua direção.
— Por que está doendo tanto?
— É comum existir dor ou incômodo no local.
— Você apertou demais esses pontos, — reclamou e mordeu o lábio inferior ao sentir outra pontada no ferimento.
— A inflamação é parte do processo de cicatrização da pele — explicou a voz serena. Lívia prendeu os cabelos num coque no alto da cabeça. — Nunca levou pontos?
— Já! — respondeu ele com os dentes cerrados. — Mas não doía tanto assim. Você apertou demais de propósito. — murmurou o tom rouco.
Enrico olhou para o armário de remédios. Cambaleou e averiguou as medicações.
— Você tem algo para dor? — inquiriu sem largar a pistola.
Lívia ainda estava assustada, qualquer movimento em falso e aquele homem atiraria. Ela se levantou bem devagar e deu poucos passos ao encontro do homem comprido.
— Licença! — Pediu.
Enrico deu um passo para o lado, não tirou os olhos da garota de estatura mediana. Aproximando-se um pouco, sentiu o aroma de pêssego nos cabelos sedosos de Lívia, que se assustou.
— O que está fazendo?
— Você está demorando demais para pegar a p0rr4 da medicação.
Lívia se virou, segurava um frasco com analgésicos e outro com anti-inflamatórios. Pegou um comprimido para dor e uma cápsula para aliviar a inflamação e os entregou ao gângster.
— Preciso de água. — Jogou os dois remédios na boca.
Lívia foi até a uma pequena geladeira no canto da sala em tons terrosos e retirou uma garrafa de água. Nunca se sentiu tão ultrajada por cuidar de um paciente.
— Tem alguma roupa que não seja aquela camisola de hospital?
Enrico virou a garrafa e bebeu o restante da água pelo gargalo.
— Aqui não é uma loja de grife. — retrucou enquanto fechava o armário de remédios.
As pupilas claras do jovem mafioso avaliaram o curativo sujo de sangue.
— Troque isso! — Apontou para a faixa branca com uma mancha vermelha.
Ele se jogou na poltrona reclinável onde Lívia estava sentada.
Girando os calcanhares, Lívia pegou o álcool, algodão e gaze, distribuiu o material para o curativo sobre a mesa e puxou a cadeira.
Na mira da pistola, ela começou a desenrolar o tecido que cobria a sutura. Reparou que dois pontos estavam arrebentados.
— Você costurou mal!
— Isso não é culpa minha, foi você que se esforçou. Fica apontando essa porcaria para mim, — indicou a arma de fogo com o queixo — e ainda me puxa de um lado para o outro como se eu fosse um brinquedo.
Enrico riu da comparação, se a doutora Lívia soubesse o que ele costumava fazer com os brinquedos na infância, não o enfrentaria daquela maneira.
— Au! — Berrou quando sentiu a ardência.
A médica encostou o algodão embebido em álcool sobre a sutura. Depois da assepsia, enrolou o braço esquerdo com uma faixa limpa.
— Você pode colocar o avental por gentileza! — Ela ergueu o rosto e fitou o homem seminu.
— Nunca viu o seu namorado nu?
Enrico acreditava que uma médica tão bonita quanto Lívia, devia ter alguém esperando por ela em casa. O pensamento gerou uma preocupação, no momento em que dessem falta da doutora Ricci, poderiam acionar a polícia.
— Trabalho demais. — empurrou a cadeira para trás, afastando-se. — Na maior parte do meu tempo, eu fico cuidando de pessoas e salvando vidas.
— Você é solteirona! Não entendo como uma mulher tão linda vive para o trabalho e não curte a vida.
Lívia tencionou o lábio. Poderia ter um namorado se desse uma chance ao melhor amigo, mas não correspondia ao sentimento de Matteo. Ignorando o paciente, ela pegou o controle e apertou o botão para ligar o ar condicionado. Em poucos minutos, a sala ficou mais gelada.
— Desligue isso! — A voz rouca ordenou.
— Está abafado aqui dentro. Eu não ficarei suando só porque você quer passear de cueca.
— Você também pode tirar a roupa.
— Caspita!
Enrico deu alguns tapas no braço da poltrona, não sentia mais dor e estava mais relaxado. Saindo do sofá, pegou a roupa hospitalar e vestiu.
— Tenho um cachorro!
— É mesmo! — exclamou, desinteressado.
— Sempre coloco comida e água pela manhã… passei a noite aqui e o Bob deve estar com fome.
Retornou e se acomodou no estofado de couro. Estava mais preocupado que Lívia chamasse a polícia do que com um animalzinho esfomeado.
Lívia suspirou pesado ao pensar no cãozinho que devia estar na porta esperando por ela, mas diante de mais uma ameaça, não insistiu.
Por volta das dez horas da manhã, a campainha tocou.
— Feche! — Apontou para a cortina azul da janela. — Fique quietinha.
Desde que o entregador apareceu, ele não permitiu que ela atendesse outras pessoas. Durante toda a manhã, o barulho da campainha se repetiu diversas vezes. Enrico não deixou que ela abrisse para os pacientes e nem mesmo para os funcionários que trabalhavam no hospital.
Por volta de meio-dia, o estômago fez barulhos que deixaram-na envergonhada.
— Está com fome, doutora?
— Claro, não comi nada desde que saí da casa do Mattia.
— A senhorita tem um homem?
— Não! Mattia é meu melhor amigo.
— Sei! Já trepei com algumas amigas, — sorriu ao lembrar do colegial. — Às vezes, eram duas!
Fechando os olhos, ela tentou deletar as coisas absurdas de que o mafioso se gabava. Nunca gostou desse tipo de homem.
— Tenho uma sala privada onde faço as minhas refeições e descanso — confessou em voz baixa.
— Vamos, o seu estômago ronca tanto que eu já estou ficando com fome. — ele resmungou ao levantar.
A médica conduziu Enrico para sua sala privada. Pegou dois potes de cup noodles e colocou no micro-ondas, digitou o tempo de cozimento no painel e esperou de braços cruzados enquanto via Enrico trancando a porta e arrancando os fios de telefone.
Após comerem, ambos ficaram quietos. Lívia encarava a persiana fechada e os fios arrebentados do telefone, o seu único celular estava guardado na bolsa que esqueceu no carro na noite anterior.
Enrico se despiu do avental hospitalar novamente, e se aconchegou na única cama que havia naquela sala ampla enquanto observava o semblante cansado da médica.
— Não me importo em dividir com você!
A testa de Lívia estava vincada, não lembrava de ser tão desrespeitada por um homem. O mafioso se esticou na cama de barriga para cima e colocou as mãos atrás da cabeça.
O cansaço começou a dominá-la, sentia as pálpebras fechando e abrindo lentamente.
— Deite aqui!
— Prefiro dormir na mesa, — Lívia respondeu, furiosa.
Pegando o travesseiro em um dos armários, colocou sobre o tampo branco de madeira depois de afastar o notebook e os objetos que haviam sobre o móvel. Lívia deitou-se em forma de conchinha. Estava tão exausta que dormiu rapidamente.
Enrico não conseguia desviar os olhos da mulher que dormia a sua frente, a doutora Ricci era uma garota diferente das mulheres com quem ele esteve. A maioria sabia quem ele era e não negavam o seu convite quando as convidava para a cama, estava admirado pela postura séria e profissional da médica. Enrico estava tão envolvido por seus pensamentos que não percebeu quando pegou sono.
A sala estava imersa em escuridão quando os sons de tiros despertaram os dois. Lívia tapou os ouvidos, ela estava apavorada, nunca esteve no meio de um fogo cruzado.
— Deite-se no chão! — Enrico berrou.
Lívia se jogou no chão atrás de sua mesa e deitou-se com as mãos nos ouvidos. Chorava, nervosa, com o ruído dos vidros se espatifando. Os objetos atingidos foram lançados para longe. Não sabia ao certo quem era aquele homem e quem o havia ferido na noite passada, mas concluiu que o paradeiro de seu paciente foi descoberto.
Do outro lado, Enrico se arrastou até um local onde pudesse se proteger das balas. Por mais que tentasse ignorar, estava preocupado com o problema que trouxe para a vida da médica.
O som dos tiros continuou por dois longos minutos.
Com os olhos fechados, Lívia pensou em seu cachorro, e dos planos que ainda tinha para a vida. O sonho de encontrar um bom homem que desejasse construir com ela uma família fez as lágrimas brotarem no canto dos olhos e se assustou quando a mão fria tocou seu ombro.
— Por favor, não me mate! — implorou.
— Calma, sou eu! — Enrico suavizou o tom da voz.
Abrindo os olhos bem devagar viu o homem que passou o dia inteiro ameaçando-a. Ainda não estava fora de perigo, se aqueles tiros não a mataram, em algum momento, Enrico não hesitaria em matá-la. Lívia enxugou as lágrimas em silêncio temendo por sua vida.
— Hei, você está bem?
— Por sua culpa, detonaram o hospital! — disse ao abrir as pálpebras. — Investi minhas economias neste lugar e você simplesmente destruiu tudo. — Os olhos estavam cheios de lágrimas.
— Eles estão entrando! — Olhou para a porta da sala quando escutou o barulho do arrombamento.
— Quem são eles?
De repente, a energia elétrica foi desligada.
— Fique aqui embaixo da mesa e não faça barulhos.
— Está achando que sou estúpido? — Ele tocou na pistola prateada e contemplou o rosto pálido da doutora. — Você não vai sair daqui!