Capítulo 2 Sem Identidade
Na pressa de sair, Owen não estava preocupado que Yunice não o seguisse. Ela estava desesperada o suficiente para pegar carvão em chamas, então não havia como ela ser mesquinha o suficiente para ficar para trás. Certamente, Yunice saiu do hospital psiquiátrico.
A maneira como ela andava era um pouco estranha. Ela segurava o estômago com um braço, os ombros curvados, e as pernas pareciam pesadas demais para levantar.
O motorista, Bobby, percebeu que algo estava errado. "Sr. Owen, a Sra. Saunders não parece bem."
Owen levantou o olhar e soltou um riso frio. "Ela está apenas fazendo um teatro, tentando me fazer preocupar com ela. Eu a estraguei demais, e agora ela acha que agir fraca a justifica em tudo."
Mesmo falando com desdém, ele não pôde deixar de notar o quanto ela estava mais magra, o quão pálida era sua tez, e os ferimentos em suas mãos... Tudo bem. Assim que ela entrasse no carro, ele a levaria a um hospital para um check-up, apenas para que ela não usasse a doença como desculpa para manipulá-lo novamente.
Mas antes que pudesse seguir adiante com esse pensamento, Yunice, apesar de ver seu carro, de repente virou e correu na direção oposta. Ela estava tentando escapar!
Yunice não tinha intenção de voltar para a família Saunders! Elsie deve ter armado uma armadilha, apenas esperando que ela caísse nela. Voltar agora seria como se jogar em um poço de sofrimento!
Ela não queria mais nada da família Saunders. Sua prioridade era ir ao cartório, substituir seu ID perdido, e desaparecer apenas para recomeçar por conta própria!
Mas seu corpo estava muito machucado. As lesões internas daqueles loucos lá atrás tinham cobrado um preço. Cada passo que ela dava era como reabrir uma ferida. Yunice ofegava pesadamente, sua testa encharcada de suor frio, mas mal chegou longe antes de Owen puxá-la de volta.
"Ah!" Yunice soltou um grito agudo ao perder o equilíbrio e cair com força no chão.
A pura agonia em seu grito assustou Owen. Ele congelou, olhando para Yunice, que se encolheu no chão, segurando a cabeça como se estivesse se preparando para uma surra... Mas ele nem tinha feito nada. Franzindo a testa, ele a examinou cuidadosamente, mas não fez nenhum movimento para ajudá-la a se levantar. "Se você acha que fugir vai me fazer preocupar, está enganada."
Ao ouvir a voz de Owen, Yunice finalmente ousou baixar as mãos. Certo... isso não é o hospital psiquiátrico. Ninguém vai me perseguir e me bater aqui.
Owen disse com uma carranca, "Neste momento, você nem sequer existe no sistema. Sem identificação, você nem pode comprar um bilhete."
Sem dinheiro, sem telefone, sem ID... Ela não tinha para onde ir. Quisesse ou não, ela teria que depender da família Saunders.
"Eu não existo?" Yunice ficou confusa a princípio, mas então seus olhos se arregalaram ao perceber.
Elsie era a ilegítima. Quando sua mãe a trouxe de volta das montanhas, ela não pôde fornecer uma certidão de nascimento ou qualquer informação sobre seu pai. Por causa disso, Elsie era um fantasma no sistema desde que se juntou à família Saunders. Ela não podia se matricular na escola, não podia comprar uma passagem de avião, e mal ousava sair. Seu passado era uma mancha em sua existência. Ela era digna de pena, inocente. Então, toda a família se esforçava para compensá-la. Até Yunice tinha feito o mesmo.
E agora...
Yunice soltou uma risada amarga. A coisa pela qual ela uma vez teve pena em outra pessoa agora se tornara sua própria realidade.
Owen, vendo a reação dela, imaginou que isso seria difícil para ela aceitar. Ele se agachou e começou a explicar: "Depois que você foi internada no hospital psiquiátrico, Oscar estava preocupado que quanto mais tempo você ficasse, pior seria sua reputação. Então, ele fez com que Elsie assumisse sua identidade - ela foi para a escola como você, participou de banquetes como você. Ela cresceu nas montanhas, Yunice. Quando ela chegou pela primeira vez em nossa casa, nem sabia o que era um morango. Ela sabia que estava a mundos de distância de você e estava aterrorizada de te envergonhar em público. Por isso, ela estudava até tarde da noite, até desmaiar de exaustão mais de uma vez. Ela fez tudo por você. Não seja ingrata e magoe seus sentimentos."
Owen franziu a testa, sua expressão cheia de decepção, como se Yunice fosse a irracional.
Yunice soltou uma risada sem humor. "Então agora que estou melhor, ela pode devolver minha identidade?"
Ela já sabia a resposta. Elsie passou anos se estabelecendo sob o nome de Yunice. Mesmo que ela a devolvesse voluntariamente, as pessoas com quem ela construiu conexões só veriam Yunice como a impostora que a intimidava.
Ela já sabia que nunca recuperaria sua identidade. Ainda assim, não pôde deixar de sentir amargura, ressentimento. Ela queria ouvir a resposta de Owen.
Como esperado, Owen explodiu. "Acabei de te explicar tudo, e tudo o que você se importa é com você mesma. Você nem uma vez perguntou como Elsie estava. Três anos de tratamento no hospital psiquiátrico, e você ainda é tão egoísta!"
Owen perdeu a última de sua paciência. "O hospital psiquiátrico está ali. Se você não quer voltar para casa, volte para dentro!"
Com isso, ele virou as costas e entrou no carro. O motorista, Bobby, hesitou. "Sr. Owen, vamos realmente deixar a Srta. Saunders para trás?"
Owen se certificou de que Yunice pudesse ouvi-lo. "Eu fui bom demais com ela, é por isso que ela se tornou uma pirralha ingrata! Deixe-a sofrer um pouco, talvez então ela finalmente entenda o que é bondade."
Com isso, ele fechou a janela e ordenou friamente: "Dirija."
Enquanto o carro da família Saunders se afastava em alta velocidade, Yunice nem sequer olhou para ele. Ela forçou seu corpo machucado a se mover e se virou para olhar o hospital psiquiátrico pela última vez. Ela nunca, jamais voltaria lá dentro.
Ela conhecia o caminho de casa. Mesmo sem transporte, ela poderia voltar a pé. No entanto, duas horas depois que Owen chegou em casa, ainda não havia sinal dela.
...
No cemitério, Yunice se ajoelhou no chão, pressionando o rosto contra a fria lápide enquanto soluçava.
"Pai, sinto tanto a sua falta... Se você soubesse que sua filha não tem mais um lar para voltar, ficaria desolado. Pai, me abrace, por favor... Owen e Mamãe não me amam mais. Eles só abraçam Elsie. Eles só sorriem para Elsie..."
Segurando a lápide, Yunice enterrou a testa na foto de seu pai, mas a pedra permaneceu em silêncio. Assim como ela nunca receberia o conforto que tanto desejava.
Ela não sabia quanto tempo chorou. Somente quando suas lágrimas secaram completamente é que ela começou a se acalmar.
Enxugando o rosto com as costas da mão, ela então usou a manga para limpar a poeira da lápide. "Pai, vou cuidar de mim mesma. Não se preocupe."
Com isso, ela começou a cavar o chão em frente ao túmulo. Quando suas mãos não foram suficientes, ela usou uma pedra para levantar um dos ladrilhos.
Sob a pedra havia um espaço oco contendo uma caixa.
A família Saunders vinha de uma longa linhagem de boticários, mas quando fizeram a transição para o negócio hospitalar, a medicina tradicional foi gradualmente eliminada. No entanto, os textos médicos da família ainda eram passados de geração em geração.
Quando Yunice era pequena, seu pai notou sua fascinação pela medicina antiga e deixou todos os livros para ela. Depois que ele faleceu, a pequena Yunice, de dez anos, os escondeu secretamente ali. Naquela época, ela ingenuamente pensou que se seu pai ficasse entediado debaixo da terra, pelo menos teria algo para ler.
Ela nunca esperou que uma decisão infantil se tornasse um dia seu último recurso. Dentro da caixa não havia apenas um antigo manuscrito médico; também havia uma Pílula de Bezoar Bovino, e uma real.
Uma Pílula de Bezoar Bovino adequada poderia salvar uma vida em um momento crítico. A fórmula original exigia chifre de rinoceronte, mas como o chifre de rinoceronte foi proibido, versões posteriores usavam chifre de búfalo, o que reduzia significativamente sua potência.
Mas o que Yunice possuía era uma fórmula original e rara. Seu corpo estava um desastre. Ela não tinha dinheiro, nem identidade, nem forma de receber tratamento hospitalar, e nem acesso a medicamentos. Então, ela arrancou um pedaço do comprimido e engoliu. O pedaço restante foi cuidadosamente guardado.
Ela rapidamente olhou ao redor. Não havia ninguém por perto. Ela enterrou o resto de suas coisas de volta no chão.
Elsie nunca poderia saber disso. Caso contrário, ela convenceria Owen a tirar tudo dela.
Assim que terminou de cobrir o túmulo, uma voz familiar, mas desconhecida, falou de trás dela.
"Eu sabia que você estaria aqui."