Capítulo 6 Ela não lembra de nada
Inerte, Luísa olhava para o líquido vermelho que escorria em suas mãos.
Um misto de horror e incredulidade a consumia enquanto seu coração pulsava em um ritmo desenfreado. A visão do sangue parecia distorcer o tempo, e pensamentos confusos atropelavam-se em sua mente: “Oh, Deus, o que foi que eu fiz?” Seus dedos tremiam, incapazes de conter o choque que dominava seu corpo. Atordoada, não acreditava que tinha sido capaz de usar aquilo. Tremendo, Luísa colocou a pistola sobre a mesinha de centro, enquanto Marcos gemia de dor no outro sofá. Seus movimentos eram hesitantes, a respiração descompassada denunciava o estado de choque.
— Vocês estão bem? — Uma vizinha gritou do outro lado da porta. — Não sei o que está acontecendo, mas eu já chamei a polícia!
Sem experiência, Luísa permanecia estática, incapaz de processar a gravidade do momento. Seus pensamentos giravam em um redemoinho de confusão e medo: “O que devo fazer agora?” O som dos gritos parecia distante, abafado pelo pulsar intenso em seus ouvidos. Seus pés estavam pesados como chumbo, enquanto sua mente buscava desesperadamente uma saída que não vinha. Os olhos dela procuraram o filho até o encontrar abaixado ao lado de uma poltrona. Enzo observava tudo com olhinhos curiosos e assustados. A cada grito de dor, ele recuava um pouco mais para a penumbra.
— Temos que ir ao hospital. — Luísa gaguejou,
— Sai de perto de mim… — A voz carregada de ódio vociferou. — Você atirou em mim!
— Eu… eu estava nervosa e… — tentou explicar, mas as palavras se embaralhavam.
— Cala a boca. — Ele gritou novamente, contraindo o rosto em uma máscara de dor e fúria. — Você vai pagar por isso.
O som das sirenes rompeu o clima tenso, anunciando a chegada da polícia. Logo, os agentes invadiram a casa, movimentando-se com rapidez. Tentando alcançar o filho para confortá-lo, ela estendeu a mão, mas o garotinho recuou ao ver o sangue.
— Filho! — Luísa chamou, mas o garotinho correu para o corredor, soluçando.
Enquanto os médicos socorriam Marcos, ela deu dois passos hesitantes na direção do filho, mas um policial interveio de forma rápida. Segurando-a firmemente pelo braço, o oficial a puxou para trás, seus olhos fixos na mulher com um misto de autoridade e frieza. O aperto era quase esmagador, enquanto ela ordenava que permanecesse no lugar.
— A senhora está presa — anunciou o oficial, segurando firme seu braço e forçando-o para trás. — Tudo o que disser pode ser usado contra você em um tribunal.
Sem resistência, deixou que as algemas fossem colocadas em seus pulsos. A sogra de Luísa entrou abruptamente na sala, o desespero estava estampado em seu rosto.
— Meu filho! — gritou, ajoelhando-se ao lado de Marcos. — Quem fez isso?
— Foi ela — Marcos apontou a mão trêmula para Luísa.
O olhar do homem transbordava desprezo. Sob aquele peso, ela foi conduzida para fora da casa. O policial empurrou sua cabeça para baixo, obrigando-a a entrar no carro. Enquanto o veículo se afastava, os vizinhos cochichavam e negavam com a cabeça.
Na delegacia, Luísa foi levada para uma cela apertada onde outras três mulheres a observavam com expressões desafiadoras. Uma delas, de cabelos negros, enrolava os fios nos dedos enquanto mascava chiclete ruidosamente, emitindo estalos que ecoavam pelo ambiente. Outra, com pele pálida e tatuagens nos braços, a fitava com curiosidade, inclinando a cabeça de leve como se tentasse avaliar a situação. A terceira, uma mulher corpulenta com cicatrizes no rosto, cruzava os braços e sustentava um olhar ameaçador.
Em silêncio, Luísa caminhou até um canto onde havia um colchão encardido, mas foi imediatamente interrompida por uma voz rouca e autoritária.
— Sai do meu lugar! — gritou uma mulher corpulenta.
Luísa nunca havia passado a noite numa prisão. Naquele instante, o arrependimento a consumia. Ela se aproximou da pia encardida e girou o registro. A água gelada escorria sobre suas mãos enquanto ela esfregava o sangue com vigor.
— Quem você assaltou? — perguntou uma voz suave, mas curiosa, vinda do outro lado.
Uma jovem de pele dourada se desencostou da parede e se aproximou lentamente.
— Não roubei ninguém — respondeu, quase num sussurro.
— E esse sangue? — insistiu a outra, arqueando as sobrancelhas.
— Não fiz por maldade. — Luísa murmurou, desviando o olhar.
— Essa foi boa! Então, você feriu alguém “sem querer”? — A mulher mais robusta gargalhou ao zombar.
Distanciando-se da pia, Luísa escolheu um canto afastado e se sentou, tentando se proteger da hostilidade.
— Foi o seu cliente que fez isso com você? — perguntou a mulher de minissaia, apontando para os hematomas em seu rosto.
Envergonhada, abaixou a cabeça. Cada osso de sua face latejava de dor.
— Não faço programas — respondeu com a voz abafada.
A corpulenta levantou-se da cama e a encarou com um sorriso cruel. Com um movimento rápido, agarrou seus cabelos e sacudiu sua cabeça com violência.
— Mas você não era a pianista do bar de estreaper? — Uma delas reconheceu Luísa.
— Nunca trabalhei nesse lugar. — Luísa balbuciou.
A amnésia a impedia de lembrar de tudo o que aconteceu na última noite em que tocou no bar há cinco anos.
— Todas as outras garotas ficaram zangadas porque o Don Morano quis passar a noite com a pianista.
— Parem de inventar mentiras, nunca fui prostituta! — Exasperadamente, Luísa retorquiu.
— Está chamando a minha irmã de mentirosa? — A detenta corpulenta agarrou os seus cabelos.
— Não, eu só não me recordo de ter sido uma rameira… — respondeu Luísa, enquanto as lágrimas rolavam pelo rosto.
— Deixe essa garota em paz, Dani! — A mulher de pele dourada interpelou. — A pianista perdeu a memória, ela não lembra de nada além da irmã e do marido.
Por um lado, Luísa se sentia mal por não recordar de certos momentos de sua vida, mas, por outro lado, ela queria esquecer que sua meia-irmã era amante de seu marido.
Uma policial aproximou-se com passos firmes, o rosto fechado em uma expressão de autoridade. Seus olhos avaliavam a cela com severidade enquanto ela batia o cassetete nas grades, o som reverberando pelo ambiente e silenciando o tumulto.
— Parem com essa bagunça agora! — A voz imponente ordenou do corredor.
As detentas recuaram e Luísa encolheu em um canto, abraçando os próprios joelhos para se proteger do frio. As lágrimas deslizaram silenciosas enquanto murmurava para si que não queria mais lembrar da traição.