Capítulo 5 Sorriso bobo
Por Milena
Deixei o quarto do hotel antes mesmo do sol nascer, sem esperar pelo novo dia que se anunciava, o peso do momento ainda ecoando em minha mente enquanto as ruas desertas da cidade adormecida passavam pela janela do táxi.
Sem esperar pelo novo amanhecer, deixando para trás uma noite que se revelara tão diferente do que imaginara. Era uma noite entre dois adultos, sem promessas, sem expectativas, além daquelas que já haviam sido saciadas.
Enquanto o táxi seguia seu curso pelas ruas silenciosas, peguei meu telefone e decidi enviar uma mensagem para Letícia, minha melhor amiga, compartilhando um pouco do que acabara de acontecer. Digitando com cuidado, escrevi:
"Dessa vez a lagartinha resolveu virar uma bela borboleta… voltando para o ninho agora, depois nos falamos ;) "
Com um sorriso bobo nos lábios, enviei a mensagem, esperando que ela entendesse a complexidade por trás daquelas poucas palavras.
A sensação que me dominava era de surpresa misturada com uma estranha sensação de normalidade.
Nunca imaginei que minha primeira vez seria assim, tão incrível e ao mesmo tempo tão comum.
Ele, tão envolvido no momento, nem percebeu que foi minha primeira vez. Não houve constrangimento, não houve aquela cena estereotipada do lençol sujo, nada disso. E, estranhamente, isso foi reconfortante, pois não precisei me explicar, não precisei lidar com expectativas ou julgamentos. Não teve um porque, nenhum mas, nem tão pouco avaliações ou consequências.
Enquanto o táxi se aproximava do meu destino final, eu refletia sobre o que aquela noite representava para mim. Uma experiência única, marcada por uma mistura de sentimentos, mas que, de alguma forma, parecia ter sido exatamente como deveria ser.
Era o fim de uma noite e o início de uma nova jornada, uma jornada marcada por descobertas, normalidade e, quem sabe, novas experiências que estavam por vir.
Meu relógio desperta com um som estridente, interrompendo o silêncio da manhã. Abro os olhos de supetão e olho para o visor luminoso.
– Droga, estou atrasada! – exclamo, pulando da cama em um sobressalto.
O dia prometia ser corrido desde o início. Letícia havia insistido para que eu pernoitasse em sua casa, mas recusei, preocupada em não perder a hora. Agora me via correndo pela casa, tentando me arrumar o mais rápido possível.
Minha amiga ficou chocada quando contei que sai com um estranho, sem nem me dar ao trabalho de saber seu nome. Ela nunca esperava que minha primeira vez fosse assim, e a verdade é que nem eu.
Os detalhes? Ah, claro que ela quis saber, mas sou um pouco mais discreta que Letícia. Achei melhor guardá-los para mim!
Saio voando escada abaixo, correndo em direção à porta. Pego minha magrela, sim tenho uma motoneta que apelidei carinhosamente de Dona Su.
Os pais de Letícia, assim como ela, queriam me presentear com um carro quando tirei minha carteira de motorista, mas insisti em conquistar minhas coisas por mim mesma. Economizei durante meses para comprar Dona Su, e ela me leva para onde eu preciso ir com agilidade.
Chego esbaforida ao auditório, voando de encontro a poltrona vazia ao lado de Letícia, que está sentada bem no meio do auditório.
– Isso porque não queria perder a hora – resmunga minha amiga, jogando a mochila ao lado.
– Para você ver, meu relógio me deixou na mão logo hoje – ela ri – Acho que a energia deve ter falhado e o infeliz atrasou. Mas ainda bem que cheguei a tempo. Dizem que esse professor é muito rígido, mas é o melhor em sua área.
– Eu já soube o contrário, dizem que ele é muito gostoso – comenta minha amiga, me fazendo rir alto e chamando atenção para nós.
Mas nem nos importamos, a essa hora da manhã bom humor é o que torna tudo mais fácil.
– Mi, você acha mesmo que apenas um bom currículo iria fazer eu levantar minha bunda da cama e me arrastar aqui? – fala ela, entre risadas.
– Deveria! – brinco, rindo ainda mais.
O som do alarme do campus ecoa pelo auditório, anunciando que as aulas estão prestes a começar.
Me ajeito na cadeira, pegando meu material enquanto Letícia continua a tagarelar ao meu lado.
– Mesmo com essa cara de poucos amigos, ainda assim é uma delícia! – ela comenta, e meus olhos automaticamente procuram o alvo de sua observação.
Meu coração dá um pulo, quase saindo pela minha boca quando meus olhos encontram o professor que acabara de entrar na sala.
Só pode ser brincadeira!
Ou devo estar delirando?!
Eu não acredito no que estou vendo.
Não pode ser!!!
Gentemmm!!!
Socorrooo!!!
O professor que acaba de entrar é o tal gostosão sobre o qual Letícia estava falando agora há pouco, e minha mente simplesmente trava.
Não.
Não pode ser ele.
Mas é.
O mesmo homem.
O mesmo olhar intenso.
A mesma presença que me deixou em chamas naquela noite.
Minha garganta seca instantaneamente, e antes que meu cérebro tenha a chance de processar o caos absoluto que isso significa, as palavras escapam dos meus lábios num sussurro alto demais:
— Meu Deus!
E então, como um reflexo amargo, outra frase escapa antes que eu possa impedir:
— Isso só pode ser uma piada de extremo mau gosto…
O universo, sendo o cretino que é, decide que meu pequeno deslize não passe despercebido.
O professor ergue o olhar, direto para mim.
Sério.
Imponente.
Perigoso.
O choque me acerta como um soco no estômago.
Meu coração martela contra minhas costelas, e eu prendo a respiração enquanto aqueles olhos me seguram refém por longos segundos.
Ele me reconhece?
Porque eu o… reconheço.
Cada toque.
Cada beijo.
Cada maldito detalhe daquela noite ainda está gravado em minha pele.
Isso não pode estar acontecendo.
Isso tem que ser um pesadelo.
Mas o pior de tudo…
Pelo jeito que ele me encara, com aquele olhar afiado e carregado de algo que faz meu
corpo inteiro vibrar, sei que ele também se lembra.
E agora?