Capítulo 8 - A viagem de helicóptero
Sophia POV
Fui uma das últimas a entrar no helicóptero, meu humor neste momento não é um dos melhores, mas isso não significava que seria mal educada e cumprimentei a todos brevemente com a cabeça e logo peguei o tablet para fazer as últimas verificações.
Basicamente a família Houroux havia trazido seu próprio médico para supervisionar o transporte e também checar todas as informações.
Muita luta de ego para o meu gosto, os médicos do hospital achando um absurdo serem supervisionados por alguém de fora, enquanto o médico da família começava a apontar erros que sequer eram erros, já que ele parecia ter informações sobre a condição física que nós não tivemos acesso.
Para evitar um confronto eu só fui até minha casa, fiz uma mala pequena de viagem, quando voltei o caos tinha quase terminado, já que era hora de partirmos. Meu encontro com Joshua também não foi a melhor coisa do meu dia e no final acabamos encerrando algo que sequer tinha começado a ficar sério.
Quando o doutor John Ioannidis fez menção de comentar alguma coisa sobre o que eu estava fazendo ergui o olhar e encontrei o dele. Em duas horas e meia minha vida havia se transformado em um caos por causa daquele homem e agora ele queria falar sobre o meu trabalho?
Dr. Ioannidis é um homem de cabelos curtos, quase raspados, pele escura, olhos de um castanho claro, feições fortes, um porte atlético invejável para muitos, mas parecia ser algo comum nas pessoas que estavam ao redor daquela família, ele tem em torno de uns 1,80m e não parece ser do tipo que se sente ameaçado, já que ameaçou mais gente do que o próprio Hiperion tinha feito.
O que quer que ele tinha pensado em falar morreu na garganta dele quando nossos olhares se cruzaram, não demorou muito para ele desviar o olhar e se encolher levemente. Assim era melhor, não que eu fosse melhor que ele, mas simplesmente não toleraria ele criticar algo só porque acha que é melhor que eu ou porque acha que sabe mais. Voltei a olhar para o tablet.
Dentro do helicóptero estavam eu, Hiperion, John e Perseu, além do piloto, seria uma viagem de algumas horas até chegarmos ao local de aterrissagem e ao que tudo indica, não vai ser uma viagem prazerosa e sim constrangedora.
Não falei nada referente ao cheiro que identifiquei logo que entrei pela cabine e eu sabia que vinha de Perseu, da mesma forma que acontecia com Aquiles, Perseu tinha um cheiro unico e que era dele mesmo e não um perfume, mas agora que ele estava acordado era mais forte do que antes, algo dentro de mim sabia que se eu cruzasse os olhos com os dele aconteceria algo parecido com o que havia acontecido no dia anterior com Aquiles, então era melhor eu ficar calada e focar no que importava no momento.
O bom é que pelo helicóptero não precisávamos conversar, ou melhor dizendo, se quiser conversar precisava abrir a chamada pelo fone de ouvido. Preferi me manter quieta e focada nas informações que John havia colocado no sistema sobre os tratamento que ele considerava adequado e não podia deixar de notar que praticamente ele havia questionado tudo o que tínhamos feito.
Tomei o cuidado de ler cada declaração algumas vezes, enquanto usava a caneta que vinha junto com o tablet para fazer anotações no aplicativo de notas que eu tinha instalado, várias dúvidas surgiram lendo o relatório, mas não fiz nenhuma delas em voz alta, tenho certeza que isso teria haver com Hiperion dizer que precisava me mostrar algo.
Terminei de ler todas as novas informações e então guardei o tablet do hospital e peguei o meu celular, abrindo no aplicativo de leitura de livros, comecei a ler o "Cthulhu Pulp”, um livro de RPG com regras complementares para o Chamado de Cthulhu e também exemplos de cenários, não era um livro pequeno e eu estava apenas no começo, era uma boa forma de passar o tempo. Afinal de contas precisava terminar de ler ele e sempre achava uma desculpa para não fazer.
As partes em que ficava com dúvidas tirava print e guardava para depois procurar na internet as respostas, mas definitivamente comecei a ter várias ideias de campanhas e aventuras únicas curtas.
“Como não pensei em usar isso aqui?”
Falei em voz baixa sorrindo, olhando para a descrição de um dos monstros, senti um leve empurrão no meu ombro e ergui o olhar encontrando o de Hipérion e mostrei para ele a foto do monstro e a descrição que aparecia. Ele fez um aceno para eu abrir a comunicação e eu o fiz.
“O que é isso? Você parece feliz depois que pegou o celular.” Hiperion
“Ah, eu estou lendo um livro de Cthulhu, um sistema que é basicamente você enfrentar monstros e se olhar muito pode acabar ficando louco. Muito resumidamente é isso, eu estou para começar uma campanha com a galera e vou usar o sistema que estou lendo e aqui tem alguns monstros diferentes e eu gostei desse aqui.” Sophia
“É algo como aquela noite? Que escutei vocês jogando?” Hiperion
“Quase isso, a ideia é a mesma, só vamos mudar o sistema, agora em vez de ser vampiros, lobisomens, magos… Magos, malditos magos… Desculpe, afinal um mago que me matou!” Revirei os olhos lembrando da cena que minha personagem tinha morrido. “Nunca enfrente um mago.” Dei uma risada baixa. “São roubados, mas desculpa, voltando para a pergunta. Desta vez eu quem vou contar a história e meus amigos que vão interpretar os personagens, não costumo fazer muitas anotações e planejar muito, diferente da Mercy que tem umas 30 páginas de planejamento, eu gosto só de planejar o plot inicial, ter uma ideia de como o mundo vai funcionar e o que pode ser o desafio final, mas em geral eu deixo a galera bem solta e apenas vou usando o que eles me falam como combustível e no final todo mundo se diverte.” Sophia
“Entendi, bom pelo menos estou tentando. Isso é muito novo para alguém como eu.” Hiperion
“Olha, nos eventos em que costumava ir já encontrei gente bem mais velha que você. É engraçado ver uma pessoa de 60, 70 anos, interpretando uma criança de 8 anos, apesar que, é engraçado jogar RPG, em geral.” Sophia
“E qual o que você mais gosta?” Hiperion
“Terror, não é um sistema em si, apesar de amar Lobisomem o Apocalipse, afinal foi um dos meus primeiros RPGs, mas hoje amo Cthulhu, todo o cenário por trás é maravilhoso, apesar de não gostar do criador, mas o que ele deixou é lindo. Agora porque eu gosto de terror? Eu gosto de narrar, que é justamente, ser o mestre do jogo, isso trás um gosto especial, pelo menos para mim. Quem costuma me procurar para jogar é porque sabe que vai passar medo e saber que eu consigo fazer isso é maravilhoso, já fiz muita gente chorar na mesa." O olhar de Hipérion era de descrença e surpresa.
“Hey, de forma saudável. Antes de começar um jogo eu pergunto até que nível a pessoa está confortável com as situações que podem acontecer. Hum… Como explicar melhor? Imagina que as pessoas que jogam terror comigo, é igual aquelas pessoas que vão ao cinema comprar ingresso para um filme de terror, eles podem escolher desde terror infantil até um Jogos Vorazes, passando ali por um Colecionador de Ossos entre outros títulos. Ai a pessoa vai assistir ao filme e sabe que as pessoas que participaram do filmes estão vendo a reação dela e ficando felizes porque cumpriram com o papel delas, que é dar medo e assustar.”
Tentei explicar sem parecer muito psicopata, acho que consegui porque a expressão dele se suavizou.
“Acho que entendi. É como alguém que participa de um campeonato, sabe que durante o caminho vai se cansar e pode muitas vezes se machucar, mas no final a adrenalina de participar é o que conta.” Hiperion
“Isso! É bem isso mesmo.” Sophia
Vi ele rindo e sorri de canto.
“Escutar você falando sobre esse assunto faz as pessoas quererem participar e jogar também. Sua animação é contagiosa." Hiperion
Joguei a cabeça para trás e ri alto.
“Isso é a mais pura verdade, quanto mais gente eu trago para esse mundo mais eu posso riscar no meu caderno de almas corrompidas.” Consegui falar depois de alguns minutos.
“Tenho certeza que com essa animação já deve haver algumas centenas de riscos, não é?” Hiperion
“Centenas ainda não, mas algumas dezenas sim..” Sorri de canto e então voltei a atenção novamente para o celular. “Agora tenho que terminar de ler um livro.”
Desliguei a comunicação e voltei minha atenção à tela à minha frente. Eu sei que toda essa interação com Hiperion foi alvo da atenção tanto de Perseu quanto de John e ignorar o olhar de Perseu em mim é um desafio constante e agora estava mais difícil me concentrar na tela do celular.
De alguma forma consegui controlar meus sentimentos e não me deixar ser engolida por aquela vontade de olhar, tocar e me envolver com Perseu. Já era problema suficiente estar atraído por Aquiles, que por tudo o que observei e escutei, era o segundo em comando.
Já era de madrugada quando chegamos ao destino, meus olhos estão um pouco pesados, escuto as hélices pararem de girar e logo a luz verde para abrirmos a cabine. Hiperion saiu primeiro e fui logo atrás, segurei o braço esquerdo dele.
“Eu preciso tomar meu remédio e dormir. Preciso ajustar meus horários antes que aconteça mais alguma crise.”
Meu tom de voz é serio, indicando que eu sabia que não estava ali apenas para cuidar de Perseu, tinha sido só uma desculpa para que eu viesse com eles, mas para o que quer que ele tivesse para me mostrar eu precisava estar inteira.
“Entendo, o seu quarto já está pronto, o Alexander vai ter mostrar o caminho.”
Hiperion respondeu e apontou para Alex, que parecia distante e frio. Revirei os olhos, ele realmente se ofendeu com a brincadeira que eu tinha feito, instintivamente levei a mão aos olhos e respirei fundo.
“Hum, eu pedi para ele estar aqui porque vocês dois pareciam ter se dado bem.”
A voz de Hiperion indicava um toque de preocupação.
“Eu sei, não se preocupe. O importante é que vou descansar.”
Caminhei em direção a Alexander, havia varias outras pessoas ali no terraço, mas não me importei em olhar muito para cada uma delas. Peguei meu fone de ouvido e liguei minha playlist, a minha pequena forma de indicar que não queria conversar, se era assim que Alex preferia que fosse,então assim seria.
Algo que notei é que a sensação de angústia enquanto me afastava de Perseu não aconteceu e inclinei a cabeça para o lado esquerdo enquanto entrava no elevador e olhava para a movimentação da equipe médica tirando a cama de Perseu e o auxiliando, por um breve momento nossos olhos se cruzaram, mas não foi tempo suficiente para eu perceber muita coisa já que as portas do elevador se fecharam.
“Mais uma coisa estranha para a lista.”
Sussurrei, colocando as mãos nos bolsos da minha calça.
“Sophia… Eu…” Vi Alexander se virando para me olhar, mas logo o cortei.
“Não, não quero ouvir desculpas esfarrapadas. Você conseguiu o que queria e pode me chamar de Senhorita Turner.”
Respondi secamente e vi ele respirar fundo e então voltar a olhar para frente. O andar em que eu ficaria era próximo da cobertura, assim que a porta se abriu segui Alexander pelo corredor, este era um prédio não muito grande, com 10 andares apenas e eu estava no 8º. O lugar parecia bem um hotel com área de lazer com alguns sofás, mesas, poltronas, um mini bar do lado esquerdo, enquanto do lado direito tinha uma televisão gigante, tudo decorado em tons de branco, prata e azul marinho. Havia 12 pessoas ali, sendo 6 homens e 8 mulheres, alguns estavam na área do bar enquanto outros estavam jogando cartas em uma das mesas.
Percebi que todos se voltaram para me olhar, sim estavam me olhando, ignorando Alexander e prestando atenção apenas em mim como se eu fosse algum intruso. Bom, não deixava de ser verdade, mas eu não estou aqui porque pedi, mas sim porque me convidaram, então sorri de canto de forma irônica, se nem mesmo Hiperion tinha conseguido me intimidar, não seria essas pessoas que conseguiriam.
“Por aqui.”